sábado, 12 de dezembro de 2015

Geminiana

Perdoem vocês se não posso ser diferente do que sou
eu tentei, juro que tentei, ser menos vermelho escândalo
travei guerra civil com meu corpo, no meu sangue
e perdi.
Assim sou melhor, quando não podo minhas flores indecentes
de perfumes vencidos, cheias de cores, insetos e carinhos
quando permito que existam em tranquila contradição
as nuvens negras de minha alma tempestuosa
o meu coração em brasa
as cicatrizes na minha pele
das queimaduras que me causo
com a minha vitalidade quase destrutiva
com essa vontade de viver que é tão grande
que beira, que beiro a neblina das alucinações
que beira, que beiro o salto sobre o precipício.
Há momentos em que tudo chove em mim
quando sou somente tempestade
e trovejo.

sábado, 31 de outubro de 2015

O terceiro olho

me parece que seja algum tipo de clarividência
se é aura ou essência
sinto coisas que não sei explicar
posso amar pessoas estranhas
de outras não querer mais que distância
pressinto o fim dos ciclos
o fim das coisas
me relaciono com o mágico do que paira
aceito seus carinhos, suas advertências
suas lições doloridas
empresto meus olhos pra achar tudo bonito
e então sinto que algo me acompanha
se emociona por detrás dos meus olhos
numa lágrima, em cilhos que se encostam
faço minha oração
toco o infinito
acredito
na minha intuição.





segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O antipoeta

Te vejo dormir no reflexo da tela do computador e entendo. Você é um reflexo. Uma aparição. Uma imagem bonita que eu nunca vou poder tocar.
Você é o capítulo do momento.É essa história, minha história sendo escrita. Você é o símbolo da guerra que declarei a tudo e todos. Da desconstrução pela qual preciso passar pra continuar seguindo. Tantos tijolos não servem mais. O chão há de ser reasfaltado. Nesse chão não caminho mais. Afundo.
Você é o antipoeta. E eu, que sempre fui amante fiel das palavras, traio-as agora. Me apaixonei pela anti-poesia. Você não só não escreveu nunca nenhum verso, como declarou guerra a todos eles. E vive de ser objetivo. Pragmático. Se é, é. Se não é, não é. A racionalização é o método. Controlar, programar, saber prever o fim. Se preparar. Não ter pertença, não depender, não precisar. Não. Se. Apegar. Aparecer e desaparecer. Não criar padrões. Discordar.
Você nasceu ironicamente no mesmo dia que eu. Nasceu pra ser a negação de tudo o que sou. E como toda negação, é também uma afirmação de mim. Você sou eu, sendo o meu oposto. As duas caras de gêmeos.
E é assim que você vai passar na minha história. Sendo exatamente o que é. Meu reflexo e meu oposto. Minha imagem invertida. Sua esquerda é a minha direita e minha direita sua esquerda.
Ao me ver assim tão crua, ao me encontrar comigo e me tocar, literalmente, talvez eu entenda. Talvez eu possa seguir em frente. Talvez eu possa começar a ser um pouco o que sempre almejei. O contrário do que sou.
Pois termina assim. Faço como você e prevejo o nosso fim.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Olhos de cão (azul)

Planejamos minunciosamente um grande assalto
Sequestramos os ponteiros do relógio
Fizemos o mundo virar do avesso
E nesta lacuna de impossibilidade
Transformada em lugar concreto
(Furo forjado no espaço-tempo)
Concretizamos a promessa
De estarmos sempre juntos

Vivemos eternidades
Dormimos nas estrelas
Inventamos histórias, tantas
De tudo o que somos
Do que é o mundo e o que são as coisas
Escrevemos novas leis, novas regras
Um novo dicionário
Mergulhamos no silêncio um do outro
Nos olhos um do outro
Na pele e no cheiro um do outro
Passamos a morar
Um dentro do outro.

Foi quando o primeiro raio de sol
Adentrou a janela do meu quarto
E me acordou.
Você não estava do meu lado.
Passei a te procurar nas esquinas
Nas padarias
Nos sinais fechados
Onde estão seus olhos?
Olhos de gato
Os meus olhos tristes de cão
Despejam lágrimas
Na minha imensidão
Eterna escuridão
Azul.

domingo, 30 de agosto de 2015

La futilité

Vá logo
vire as costas e vá depressa
vá viver o deslumbre das luzes europeias.
O que ficou pra trás na pressa?
Esqueça.
Não ocupe a cabeça
com o que nada significou.
Aquela casa, meu bem
era feita de pau brasil
se esfarelou.
As juras do último carnaval
estão surda-mudas
conversando cheias de rancor
em linguagem de sinal.
E o amor, meu bem?
O amor se perdeu
numa escala internacional.
Aproveite pra abandonar também o português
nossa pobre língua não serve
para a comunicação universal.
Não tenha pudor
empalideça e ceda
à intenção do colonizador.
Da melanina, do suor e das cores?
Bem, vão-se os anéis
ficam os dólares.
Não, não permita que sua alegria
seja ofuscada por esse lamento pontudo.
Da amora, meu bem?
Faça um suco.


domingo, 14 de junho de 2015

Julia

Há dias tenho tentado escrever
As palavras que esmagam meu peito
Mas não encontro maneiras de explicar
Exatamente o que seja
Esse gosto de sabão na boca.
Se nosso amor se fez colcha de retalhos
Pedaços costurados de tantos amores
De tantos amantes
O maior amor do mundo
Hoje o mundo se sente um pouco vazio
E nossos amantes choram sem saber porque
Na frente de uma janela, lavando a louça
Debaixo do pé de amora
Eles soluçam
Porque o mundo está mais triste
Porque a coisa mais bonita do mundo não existe.



domingo, 24 de maio de 2015

Veja, Margarida

Nunca precisei pedir.
Se você não consegue sentir
Se seu olhar vacila
Se meu cheiro já não dilata sua pupila
Se suas asas querem outros vôos
Então eu vou levantar meu nariz
Como sempre fiz
Vou juntar minhas poesias
Minhas lágrimas, meus amores
Minhas histórias
Vou juntar minhas dores
Minhas alegrias
E vou embora

Se chegou a hora
Não vou me ajoelhar
Nunca fui de implorar
Permanecer ereta, meu bem
É a melhor das minhas habilidades
Fincar meu pé no chão
Reinventar a primavera
Entrar em contato com a minha solidão e minha liberdade
Com essa chama que me move e que não tem fim
Que me consome
Me vestir de mim.

Eu quero enquanto for troca
Enquanto for eu e você
Enquanto o carinho for algo que se dá porque transborda
Enquanto o se importar for água que brota
Do nosso rio, da nossa fonte
Se já não podemos ser ponte
Se estar comigo é mais um compromisso penoso
Se esse nosso amor tão pele e osso
Não merece ser cuidado, alimentado
Então vou deixá-lo agonizar
Não vou mais lutar
Não vou mais plantar o amor e vê-lo secar.

Se todo o resto te faz tão mais feliz
Então melhor arrancar pela raiz
E deixar cicatrizar.

Eu vou fechar meu coração
Não se sinta na obrigação
Ninguém precisa me dar manutenção.










quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Me escreva

Penso demais em você
E hoje revelei uma foto sua
Estou feliz de te ter na minha parede...
É mais um retrato
De você que mora dentro de mim

Eu te conto meus segredos
Em silêncio
Eu te vejo em várias pessoas
Andando de ônibus
Eu converso com você
Eu penso que você ia gostar dessa música
Ou daquele óculos
Que você pediria um cigarro pra ele ali
Fumando malboro branco.

Eu vejo seus olhos
Pintados no sol, no azul, no céu
Sinto sua falta...
Me escreva logo, Gabriel!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Instabilidade

Instabilidade
Tudo me parte
Invade, quebra, vira do avesso
À sombra do adeus
Eu me esfarelo
Me despedaço
Me despeço?
Sou uma peça
Uma peça solitária sem encaixe
Sem serventia
O medo sufoca
A distância me toca
E tudo são abismos.