quinta-feira, 28 de abril de 2011

Intransitivo?

A resposta ao amor que me falta
é amar muito mais.
amor inconstante, destrutivo, desvairado, descabido
amor que me faz caber pequena em seus braços
e que eu abrigo nos meus
como abrigo qualquer-coisa-rosa-cheia-de-espinhos
-vício de me fazer em pedaços

A resposta ao amor que me falta
sangrando nos dedos
cortados de rosa-necessariamente-vital-cortante
é amar
muito mais.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Traindo princípios (e fins)

...a mão trêmula acendeu um cigarro. andava cambaleando no meio da rua. não se preocupava com a morte: até a morte era lucro. nada fazia muito sentido. não era feliz e não era triste. nada fazia muito sentido mas não precisava fazer. a vida era somente como uma experiência: a única e derradeira. um rock pesado tocando na cabeça. nem bonito nem feio: vivo. os pensamentos e os sentimentos e as pulsões internas e o desejo de sair correndo com o vento nos cabelos rebeldes e compridos tantas vezes recriminados e a vontade de pichar os muros e de socar as paredes e de socar a cara dos transeuntes felizes e quebrar cada um dos seus sorrisos. quis correr e por isso saiu correndo. a opinião de outros fosse qual fosse não interessava. não era feliz e nem era triste. nada fazia sentido mas não precisava fazer...

domingo, 17 de abril de 2011

À minha flor de ir embora

Não consigo esquecer aquele dia, nós três na cozinha daquele apartamento que tanto gostamos, o cheiro da essência de maçã do narguilé que enchia o cômodo de fumaça, fumaça de felicidade.
E nós ríamos sem parar da sua cara de boba, "Porre de vinho é foda, minha nega".
Rimos, e rimos, e rimos, pra depois chorar.
Foda, minha flor, é não saber quando você vai ver de novo alguém que ama tanto.
Naquele dia nos prometemos que fosse qual fosse a circunstância, a distância, o tempo, ninguém jamais nos separaria, porque éramos irmãs, e amor de irmã cobre esses malditos mil quilômetros.
As lembranças que tenho contigo, desde que éramos muito crianças, são as melhores. Seja enterrando-nos na areia da praia e morrendo de rir de nós mesmas "à milanesa", ou transformando em carros as caixas de leite, que arrastávamos pela casa, ou então, mais recentemente, passando madrugadas no mirante, enroladas em cobertores, à olhar as estrelas.
Eu alcancei com vocês as estrelas, eu descobri a cura para a minha solidão, eu aprendi a ser inteiramente feliz.
Nenhuma tarde jamais vai bater as nossas tardes embriagadas em frente o mar, cantando de baixo de chuva: "joga pedra na Geni! joga pedra na Geni! ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir, ela dá pra qualquer um, maldita Geni!", rodando, rodando, rodando, até não aguentar mais e cair.
E assim, minha Gi, quando sinto que não tenho mais nada, quando tudo é incerto demais, quando o chão me falta, quando não me sobra ninguém, me reporto aos nossos momentos, nós duas numa rede cantando Janis Joplin: "And baby deep down in your heart I guess you know that it ain’t right, never, never, never, never, never, never, never, never, never, never...", você se lembra de como era fácil morrer de rir?
Sentíamos que podíamos ser o que quiséssemos, podíamos ser o melhor de tudo que existe.




segunda-feira, 11 de abril de 2011

Queda livre

Ficava perplexo com o quanto um olhar podia dizer.
Ou com o quanto gostaria que dissesse.
Tiveram tantas conversas em silêncio, disseram tantas coisas nos pontos entre suas conversas casuais, e alimentaram sem querer a catástrofe de sentir o que convertera-se em segredo doído.
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Era o abismo, era o fim. Mas por que é que a vontade maior era de ouvir enfim o baque seco dos corpos batendo no chão, lá na beira do precipício?
Ela fechava os olhos e sentia bater nos cabelos o vento da queda, impregnado do perfume que não saía da memória.
Cair. Cair, cair, cair, cair.
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Reflexo de luz em espelho partido.
No segundo seguinte já se tinham perdido.




segunda-feira, 4 de abril de 2011

De estar viva

Por tanto amor
Por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu caçador de mim

A vida podia ser mais exata.
Já disse Fernando Pessoa que viver não é preciso. E ele não falava de necessidade, falava de precisão.
Mas se me perdoam a petulância, descobri uma das leis que regem o universo: há que se arrumar o que está dentro, toda a realidade externa é um reflexo disso.
Não sei bem como acontece, mas em um momento, tudo fica claro, límpido. A tristeza sempre está lá, no cantinho do armário (the skeleton), mas já não há medo, já não há mágoa, já não há tempo, tudo o que eu faço é fruto da minha vontade, porque minha vida está nas minhas mãos, porque eu sou completamente livre, ao menos nesse instante fugaz.
Depois de chorar rios, a alma seca. E com a sequidão vem a serenidade. E a solidão prega no fundo dos olhos, e ainda assim, tudo se faz em tranquilidade. Marasmo de ser uma, somente uma, somente minha.
Sim, pois não sou de ninguém e jamais serei. Meu coração me pertence. Minha força vem de algum lugar nativo recentemente descoberto, e permitido somente à mim.
Tanto me negaram, que aprendi a dizer-me sim. Aprendi a respeitar-me pelo respeito que me faltou, aprendi a amar-me pelo amor que foi pouco, aprendi a acarinhar-me, a colocar a mim mesma nos braços e cuidar-me com a ternura que já não posso dedicar à ninguém, pelo colo que não tive.
Não, meu segredo não está descoberto. Há quem pense tê-lo adentrado. Não, meu segredo é minha essência, meu segredo é só meu.
A tristeza por trás do sorriso é o que ninguém vê. E é o que faz com que eu mereça esse nome e essa cara.
...
Caminhei, caminhei, caminhei, até que as pernas implorassem por descanso, e aí caminhei mais um pouco. No deserto de mim, enfrentei tempestades em silêncio. E colhi minha rosa única. Briguei com Deus, e as feridas dessa batalha estão muito expostas.
Encerro, enfim, esta vida de andarilha da verdade e da fantasia, que são uma só.
Descobri que o surto é tão real quanto a sanidade.
E a embriaguez me deixa infinitamente mais atenta.
Vivo.
Digo e calo, sei e não sei, invento e falo a verdade, minto, sou e não sou, paradoxalmente: vivo.
Não explico: vivo.


sábado, 2 de abril de 2011

Tênis vermelho, morangos e lágrimas açucaradas

Estava deitada na cama, olhando o teto, e já tinha decorado o número exato de rachaduras e manchas causadas pela infiltração. Refletia agora sobre a velharia que era aquela casa, que outrora já fora cheia de vida, e hoje não passada de uma senhora mofada, assim como ela mesma, largada naquela cama, refletindo sobre as infiltrações do teto.
Foi mais ou menos aí que teve a idéia de levar seus tênis vermelhos novos para passear. Colocou os óculos de armação amarela, enfiou as mãos nos bolsos e saiu (não sem antes esquecer a janela e a porta abertas: já fazia parte da rotina).
Durante o percurso recebeu o "bom dia" do florista, da moça do sacolão, do velhinho sem uma perna e da mulher da quitandaria, que fazia uma rosca digna de qualquer avó. Retribuiu com um imenso sorriso, o que, segundos depois, a fez pensar que o tédio estava estragando sua alma. Desde quando era assim amável?
Tateou os bolsos em busca das chaves, que não estavam lá, obviamente.
Bateu com força na própria testa, soltou alguns palavrões e no resto do percurso sem destino ficou imaginando as cenas mais mirabolantes envolvendo um ladrão que entrava em sua casa, nas quais o final poderia ser: ela terminava morta e vinha assombrar o dito cujo, ou ele terminava morto, ela ia presa e fugia da penitenciária através de um túnel cavado com uma colher furtada do refeitório, que ia dar no Japão.
Riu deste último pensamento e anotou na mão com a caneta que ficava sempre no bolso interno do casaco: "escrever as bobagens que imagino".
Não andou nem mais dez passos e avistou o caminhão de morangos. Estava barato. - Minha nossa! - era época de morangos, ela havia esquecido. Como pôde?
Culpou seu espírito de velha, que já estava afetando seus miolos. Não duvidava nada que um dia ele fosse causar sua morte precoce, aos 27 anos, assim como Kurt Cobain e Janis Joplin (e sinceramente, não se importava, não via utilidade nenhuma em viver demais).
No caminho de volta recebeu os sorrisos do florista, da moça do sacolão, do velhinho sem perna e da mulher da quitandaria, mas não retribuiu nenhum. Logo iam pensar que ela era simpática.
Na porta de casa, lembrou-se de pegar um pedaço de madeira no quintal. Ergueu-o próximo ao rosto, abriu cuidadosamente a porta e entrou pé ante pé, até se certificar de que não havia mesmo ninguém. Assim que teve certeza, jogou o bastão improvisado novamente no gramado e se dirigiu à cozinha, onde abriu e lavou os morangos.
Sentou-se na sala ao lado de um pote de açúcar. Enfiou o primeiro morango inteiro lá dentro, até retirá-lo completamente coberto, a ponto de deixar suas bochechas doces ao mordê-lo.
Enquanto mastigava fechou os olhos, saboreando sua sobremesa preferida. Uma lágrima rolou pelo seu rosto açucarado, caindo doce do sofá.
"Boba", pensou. Tinha acreditado que o morango na boca faria com que fosse mais fácil esquecer sua companheira mais fiel: a solidão.
Enxugou as lágrimas, jogou os tênis num canto, sacou a caneta do casaco e anotou no pulso: "nunca mais comer morangos".