segunda-feira, 21 de julho de 2014

Poeira

O sol foi embora e levou consigo minha calma
a noite trouxe a ausência
o silêncio da sombra solitária
os suspiros dos olhares perdidos na janela
do ônibus
a cabeça que pende como se nunca mais quisesse tirar
o olhar do chão.
meu sentimento vaga
por lembranças e saudades
desconcertada, me parto
me desfaço
caio em farelos
seca e friável
como um pedaço de carvão
vôo com o vento
debaixo de pés e sobre sobrancelhas
sou poeira e fuligem
pó de construção
entrando pela janela do seu quarto
me embaraçando nos fios finos do seu cabelo
pousando nos dedos longos da sua mão
você me inspira, me expira, me tosse, me espirra
eu me espalho em partículas
por toda e qualquer direção
sou agora parte desse universo
da janela, da estante, do colchão
sou poeira cósmica
flutuando na imensidão
alcanço infinitos e torno a me espatifar
me espalhar e me fundir
ao chão

de repente!

é só meu reflexo na janela
do ônibus
e o meu rosto é só mais um rosto
sem nome e sem expressão
suspirando o ar coletivo da agonia
compartilhando o dia-a-dia
da solidão

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Da menina das palavras para o menino do silêncio

Sou feita de palavras
ás vezes penso que se algum dia pudesse me despir
de tudo o que amo, de tudo que escolhi pra mim
de todos os caminhos, de todas as pessoas
se eu me descascasse e me revirasse
perdesse todas as minhas camadas
isso restaria.
As palavras...
elas são meu porto, meu alicerce
não sei compreender o mundo de outra maneira
acho difícil entender o que emudece
o que cala me machuca...

Eis, no entanto, que num dia qualquer
um dia como todos os outros dos tantos da minha caminhada
conheci dois olhos de menino
também procurando a sua estrada
por alguma razão o seu caminho cruzou o meu
e plantou no meu olhar um pouquinho do que é seu
de alguma maneira o meu horizonte se expandiu.
Eis que num dia qualquer
encontrei um menino e o seu silêncio
que, diferente de todos os outros
não me pareceu áspero ou rude
(talvez um pouco triste).
Eis que num dia qualquer
ele me mostrou que talvez seja possível dizer mais
com os olhos, com gestos
que com palavras.

Quem dera tudo tivesse
o aconchego do seu olhar
o carinho com que você olha
para cada pedacinho do mundo
que mereça a sua atenção.

Viver você me faz acreditar
um pouco mais
na mágica de existir.












quarta-feira, 9 de julho de 2014

No ônibus

Ás vezes eu vou andando para o ponto de ônibus xingando baixo e chutando pedrinhas, são os dias em que eu só queria chegar logo, pro dia acabar logo, pra tudo andar depressa, os dias em que viver não é nada além de uma obrigação.
Ás vezes eu vou andando para o ponto de ônibus observando que o céu está muito bonito, muito azul, sentindo o vento no cabelo recém-lavado, ouvindo uma música gostosa no fone de ouvido, e fico assim dentro de mim.
Mas ás vezes, ás vezes eu acho que a vida não tem que andar tão depressa e que tem tanta coisa fora pra olhar só pra dentro. Nesses dias andar de ônibus tem toda uma graça, e se torna um momento de vivenciar todos os sentidos e a imaginação, de se conectar aos existires de outras pessoas, se colocar em sintonia com outros olhares e outras maneiras de sentir.
No ônibus tem sempre os velhinhos que não querem se sentar, mesmo quando alguém cede o lugar. "Não, minha filha, fica aí, se a gente fica de moleza acaba ficando mais imprestável do que já tá".
Tem as criancinhas que gritam "MAMÃAAAE!" no meio de todo mundo, cantam musiquinhas de parabéns, da xuxa ou da galinha pintadinha, e as mães encabuladas ficam tentando segurar os bichinhos, que num segundo estão de pé no banco, no outro já estão no chão se esgueirando pela selva de pernas. Puxa uma saia dalí, uma calça daqui, olha aquela batata no chão, e quando a mãe vê já tá tudo na boca.
Por falar em batata, tem sempre as pessoas com as mãos engorduradas comendo batata frita e que quase fazem um beicinho quando percebem que o molhinho que vem junto acabou.
Tem sempre os meninos de boné de aba reta, ouvindo um funk sem fone de ouvido, o que arranca olhares recriminadores da senhoras distintíssimas logo ao lado, elas descem do ônibus cochichando "que coisa horrorosa...".
Tem sempre alguém de uniforme dormindo com a cabeça no vidro, e volta e meia a gente chega no ponto final e eles acordam assustados sem saber onde estão. E aí é mais uma volta antes da cama tão desejada.
Tem as mulheres grávidas com seus barrigões pontudos de nariz empinado para o mundo, tem gente que manca, tem gente que pisa forte, tem gente que quase cai quando o ônibus dá uma balançada.
Tem sempre as conversas no telefone tão peculiares, é o namorado da fulana que terminou com ela pra ficar com a outra, o ciclano que não faz o serviço direito, a patroa que não deixa chegar 5 minutos atrasada, a beltrana que (cê acredita, menina?) fala mal de todo mundo.
Tem o moço bonito de óculos diferentes, com o olhar perdido, ensimesmado, alguma tatuagem bonita no braço.
Tem a moça perfumada, com as unhas feitas e a blusa de renda, que oferece o seu lugar a todo velhinho que entra (e nenhum deles aceita).
Tem a mulher gordinha e risonha que, quando todo mundo tá esmagado na porta, dá uma risada gostosa e logo emenda "nossa senhora gente, tô suando mais que tampa de marmita".
Tem sempre as pessoas que fazem o sinal da cruz quando o ônibus passa na frente de uma igreja.
Tem o grupo de adolescentes que senta sempre junto nas cadeiras do fundo, e eles vão falando alto, alheios a todos os outros, contando do esporro do professor, das paixões, combinando como é que eles vão entrar em tal festinha, vendendo identidades falsas.
Tem os universitários com suas mochilas pesadas, muitas vezes vão sacolejando, se equilibrando pra se segurar com uma mão só, enquanto na outra vai o resumo pra prova que vai começar daí 15 minutos.
Tem gente que fica de cara feia o tempo todo, tem gente que fica só em si mesmo, tem gente que sai empurrando todo mundo quando o ônibus para, tem gente que pisa no pé, que enfia a mochila na sua cara.
Mas tem gente também que se oferece pra segurar a mochila, que sorri gratuitamente, que ri das situações desconfortáveis, que espera todo mundo descer pra subir, que puxa assunto sem precisar e vira amigo de infância, que sabe o nome dos motoristas e dos cobradores, e vai contando o maior caso até chegar no seu destino e partir pra labuta de todos os dias.
Eu gosto do ônibus porque tem gente de todo tipo, cada um com suas angústias, suas alegrias, suas histórias, seus pensamentos e sentimentos, seu cheiro, seu gosto, seu sotaque.
E aí eu desço no ponto pertinho da UFU, alegre por ter escolhido uma profissão que vai me permitir cuidar de gente, esses seres complexos e cheios de tudo. Me sinto feliz porque sei que um dia vou estar perguntando pro seu João se ele está tomando os remédios da hipertensão direitinho e medindo a cabeça dos bebezinhos pra saber se eles estão crescendo certinho. E enquanto isso vou ouvir o caso do feijão na panela, do programa do Hulk, da prova da faculdade, da tinta do cabelo, do término do namoro.
E aí eu desço, pensando no café que eu vou tomar dali a pouco pra dar uma acordada e que "um dia ainda vou escrever alguma coisa sobre isso..."











sábado, 5 de julho de 2014

Para sempre

Depois que você se foi
tudo ficou um pouco mais escuro
eu entendi que a morte
nos arranca abruptamente dos braços
que ficam para sempre vazios
muito antes dos pontos finais
(há tanto inconcluído dentro de mim)
eu entendi que para sempre
é tempo demais.

Mas ainda te vejo
nos meus sonhos
te abraço e te digo
do meu amor que, espero
alcance dimensões e eternidades
e da minha saudade
perpétua
desde o seu último dia
diariamente
até o fim dos meus.