sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Flores murchas

A velha de preto faz sua oração
em uma mão um terço
O menino escuta a vozinha da velha, a outra mão
embala o berço

Longo vestido preto
costurado de viuvez
Calvário de vida que jaz
arrependida do que não fez

Rugas são abismos
cicatrizes do tempo que pra sempre vai
saudade da meninice de tempos idos
do cheiro da comida do pai

A mão da velha embala o berço
e os olhos do menino são a derradeira alegoria
ela conta avarenta nas contas do terço
seus momentos de alegria

O menino sorri alheio, imerso
no seu mundo do tamanho de dois braços protetores
do muito que penso, só sei dizer em verso
amores, temores, dores, flores







quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Homo sapiens sapiens


23 cromossomos paternos e 23 maternos. Do amor de dois eis que surge uma célula. Alguns nanômetros de extensão, tão frágil, tão improvável, tão pequeno...
Um se torna dois, dois se tornam quatro, quatro se tornam oito, que se tornam dezesseis.
Estruturas que não passam de um aglomerado de elementos químicos tomam vida, e lá estão elas, seguindo uma receita tão bem estruturada: faça-se um braço! uma perna! um pulmão! um coração! um cérebro!
E do que era invisível, do que era desprezível possibilidade contra infinita probabilidade de falha, se constrói um indivíduo, um "eu" complexo, de artérias, veias, órgãos, pensamento, sangue, sentimento... Do sentimento humano, o mundo tal como conhecemos. Tudo o que saiu do homem e teve como única função preencher o vazio, a inexorável e imensamente assustadora consciência de nossa própria existência. Homem que sabe que sabe. Que sabe de seu próprio fim.
Embora olhando para dentro eu saiba, cada vez mais, da beleza inscrita nas linhas da existência, e embora eu me sinta completamente abestalhada diante da perfeição de um corpo que surgiu do invisível e que trabalha, com tamanha eficiência, com tamanha beleza e sutileza, para sua própria sobrevivência e a de sua espécie, ao olhar para fora o espanto é ainda maior: tudo isso é tão pouco, é nada.
Do amor de dois eis que surge uma célula. E um outro serzinho que é pedaço de um e de outro, amor que se faz concreto, que se faz independente de quem amou, que anda, que fala, que dissemina amor, se quiser.
Eu pensei, durante tanto tempo, que encontraria a poesia nos livros...