segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Pedras, noites e poemas

Pulsam as palavras em português no meu sangue
Correm nas minhas artérias as histórias dos velhos caminhoneiros
Seus valiosos ensinamentos e sua ousadia de se fazerem poetas
Contra todas as probabilidades.
Na frustração e na perspicácia do meu pai
Abobalhado diante da televisão
"É golpe! É golpe!"
Vejo um avô que sem nenhum cultura
Achou que era uma boa ideia encher o filho de enciclopédias
E ele se tornou militante quando ainda era secundarista
Primeiro a se formar na família.
Nos primeiros anos da minha vida, meu pai me contava histórias de beija-flores
Que carregando água no biquinho contra a imensidão de um incêndio na floresta
Explicavam, sem vacilar: "eu estou fazendo a minha parte!"
Hoje desacredita, amargurado, dos beija-flores de nosso povo.
Diz cheio de angústia que a esquerda vai demorar mais 100 anos para voltar a governar
E que ele vai morrer sem ver o país com que sonhou.
Eu ás vezes também não sei se o beija-flor vai ver renascida a floresta
Mas eu sei, com a certeza do amor que me habita
Que ela ressurgirá
Porque a vida é sempre capaz de romper as cinzas da infertilidade.
Porque restam sempre dentro do chão as sementes.
Porque um caminhoneiro ensinou ao seu filho a poesia que não aprendeu em nenhuma escola
E esse filho me ensinou que era preciso lutar sempre contra o império da morte
Eu sei que da criatividade encantadora do meu povo
Nascerá o mundo que já meu velho anunciava
Quando ainda não tinha cabelos brancos
Nos seus mais belos sonhos.  

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Água

Já percebeu como a água invade tudo?
Agora, por exemplo, tsunami invadindo minhas pálpebras
E elas ficam túrgidas.
Sempre que choro madrugadas imagino
Água preenchendo o espaço entre as células dos meus olhos
Somos feitos de partes tão pequeninas
E tudo neste mundo é tão mais água que terra
Queria eu que ela pudesse lavar e levar embora
Todas essas dores.