terça-feira, 27 de novembro de 2012

Parto

Talvez a vida seja feita de pequenas solidões no banco da praça
de pequenas realizações de olhos que sorriem
de pequenas lágrimas de grandes saudades
de uma poesia muito parca, muito simples
que se pretendia Drummond
e acabou sendo a plantinha que nasce entre as rachaduras do concreto
sem importância, sem beleza, sem visibilidade
esquecida
mas esquecidos todos estamos
somos todos homens mortos
desde o instante em que nos tiraram ensebados daquela mulher
que nos deve boa parte de suas rugas
e tudo o que soubemos fazer foi chorar
quem é que nos trouxe pro frio, pra essa luz que cega?
era tão bom, tão quentinho, um coração pulsando num ritmo acalentador
talvez a vida seja feita simplesmente de uma busca pelo útero materno
talvez a vida seja feita de imensas desilusões
e na melhor das hipóteses, desconstrução de muitas certezas
talvez a vida seja ter um grande objetivo
e ao chegar a ele, descobrir que o que era bom era buscá-lo
e que choramos e nos martirizamos porque não éramos bons o bastante
mas na verdade, assim éramos melhores
talvez a vida seja sempre esse buscar a felicidade no futuro
e descobri-la, tarde demais, no passado
mas jamais ser feliz.

sábado, 17 de novembro de 2012

Vendo minha vida por dois trocados de sinceridade


Existe vida além dessas quatro paredes-cela
que encho de livros, desenhos, fotos
para forjar a liberdade
e faço todas as minhas viagens dentro de mim mesma
dos meus sonhos que voam muito além de todas as grades.
Existe uma extensão imensa de mim além do que se pode ver
maior ainda do que julgam que sou
como a ponta minúscula de um iceberg
minha parte submersa não tem fim.
Existe tanto nunca mais para pouco para sempre
e tanto amor além dessa hipocrisia
desse eufemismo
desse desamor subentendido
como se fosse possível amar por obrigação
grande piada!
Existem tantas lágrimas por detrás desses olhos
elas entregam sua pureza ao mundo
que não as merece.
Existe tanta crueldade também por detrás desses olhos
tudo o que é lindo pode ser podre
tudo o que é amor incondicional pode ser egoísmo
E o é, invariavelmente.
Tudo é duplo: os contrários que fazem-se um
nada ou ninguém é bom sem que seja também mau
mas nos contentamos em viver na mentira.
Existe algo que quer tanto voar
Além dessas expectativas que tanto machucam
além dessa crítica dura que não pretende nada além de podar, amputar.
Existe a vida e seu punhal de duas pontas
Por um caminho ou outro me lanço a ele
e me corto inteira
Talvez quando meu coração estiver completamente aos pedaços
talvez quando minhas entranhas estiverem colorindo de sangue tudo o que está fora de mim
Talvez quando já tiver explodido minha própria cabeça
e minha mente estiver voando como cacos de vidro em todas as direções
talvez exista então algum tipo de não-ter-fim.
ou um descansar-em-paz
me satisfaço.
Existe todo um livro-receita de escolhas muito mais saudáveis do que as que faço.
mas afinal, qual de nós não está um pouco doente?
eu por exemplo, estou cheia de escaras
meu corpo está dormente
eu já não ando, eu já não movo os braços, eu já não falo
Existem apenas dois olhos
que vêem e que silenciam.
que sorriem e que choram.
Sobre a pergunta que fiz em outro momento...
Eu sou o escafandro.











sexta-feira, 9 de novembro de 2012

E fim. Ponto.

Essa foto foi tirada pela talentosíssima Gi Godoi
Ponto.
Câmbio.
Início.
Acho que sonhei com uma borboleta. Não tenho certeza e nem me lembro com clareza.
Tudo que me vem à mente é um bater de asas.
Um segundo, um espectro de cores que se misturam, se fundem, se penetram, são alguma outra coisa, uma cor transcendental, um som, um gosto, um cheiro, 
movimento colorido, que parte e se parte.
A borboleta sou eu?
Não.
A borboleta não é ato, é potência.
Destino.
A que será que se destina?
Num dia de sol, daqui dois dias ou cinquenta anos, enfim a inércia inquebrantável 
será quebrada.
Relatividade.
Numa noite estrelada, sob o universo e sua sinfonia incompreensível, o que é casulo 
será borboleta.
Um dia...
Um bater de asas de uma borboleta...
Será um tufão no Japão!
(onde o Sol se esconde...)
Sóis.
Sois.
Dós e rés.
Um ponto final nos espera, indubitavelmente.