terça-feira, 19 de março de 2013

There is a better world, well, there must be

São tempos estranhos estes. Essa noite sonhei que eu era um guerrilheiro chamado Fidel que morreu baleado ás 5:15 da manhã. Me vi morrer com essa riqueza de detalhes.
Estou lendo mais uma vez "As vantagens de ser invisível" e tentando encontrar aquela menina de 13 anos que pela primeira vez se apaixonou por um Charlie que se sentia tão sozinho quanto ela.
Tenho ouvido "Asleep" o tempo todo, e entendo melhor que nunca o pedido desesperado: "sing me to sleep".
É triste constatar que eu só passei de solidões a solidões cada vez mais profundas. Que de cada amor herdei somente o cinismo, como previu Cartola.
Eu ando por aí, eu observo as pessoas que caminham apressadas sob a chuva fina, e já não há saudade, e já não há ansiedade, e já não há muita coisa para querer nem para temer. Ando por dentro das sombras da noite me sentindo parte delas.
Eu gostaria de poder deixar palavras que não doessem tanto. Eu gostaria que existisse uma máquina como a de "Brilho eterno de uma mente sem lembranças".
Tudo isso é ridículo. E é pior ainda porque é impossível.


quinta-feira, 7 de março de 2013

O relâmpago e as nuvens

"Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão"

Caminhou envolto em tempestade, sob um vento que ameaçava arrancar seu corpo magro, seus ossos frágeis do chão ao qual sua existência era tão arraigada.
Caminhou com seu passo firme, seus movimentos contidos, uma mão segurando o chapéu para que não voasse, a outra a pasta pequena contendo papéis (todas as burocracias que enfrentaria naquele dia e nos próximos, até o dia de sua morte, sem burocracia nenhuma).
Chegara 5 minutos antes do trem e agora estava pensando nas meninas bonitas da cidade, no seu andar sobre as nuvens, seu desfilar ileso da beleza cruel do mundo, seus olhares cheios de ilusões.
Por um momento teve vontade de destruí-las, de desenganá-las, como quem, diante de um campo florido insuportavelmente belo, desfaz em pétalas frágeis nos seus dedos rígidos as pequenas flores.
Ao mesmo tempo, quis amá-las, cuidá-las, plantá-las e regá-las diariamente para que praga nenhuma neste mundo viesse destruir-lhes os sonhos.
Mas nada pôde fazer porque, na verdade, ele era concreto metal, infértil e impermeabilizado contra toda a fragilidade ingênua. Jamais poderia tocá-las pois elas não pertenciam ao seu mundo, à sua realidade de chão batido e queimado.
Tal constatação foi-lhe, neste segundo, 3 minutos antes da chegada do trem, especialmente tóxica.
Ele não pôde suportar. Ele não soube mais como enfrentar aquele homenzinho duro, digno e infeliz no espelho. Ele não soube mais como articular seus joelhos, seus pés, para que fizessem o caminho de volta. Ele também não soube como continuar.
E assim, 2 minutos antes da chegada do trem, Manuel decidiu, assim subitamente, como ataque cardíaco fulminante, que aquele era seu fim.
Deitou-se sobre os trilhos.
Olhou para o céu. Quanta força, Meu Deus. Começava a chover. Um relâmpago infinito, estrondo que fez tremer os confins do mundo, clarão revelador, e a morte montada em seu dragão veio buscar o olhar mais infeliz de seu último filho.