quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Vício

São 4 horas da manhã e já te espero descer a avenida, desse jeitinho que só você sabe fazer, segurando o sapatinho número 35, e cambaleando um pouco, mas sempre mantendo a postura e esse gingado, essa sua forma de desfilar meio samba e meio bossa-nova.
São 5 horas e você ainda não veio, seu João, atrás do balcão engordurado, prevê minha impaciência e desce mais uma cerveja, faz uma piada, me oferece o pandeiro, mas não, seu João, o batuque fica pra depois. Assim que você passar, e eu puder dar uma olhada no seu cabelo desarrumado, de quem passou a noite por aí, no meio de qualquer lençol amassado, assim que eu puser meus olhos em você, na sua maquiagem borrada, no seu meio sorriso confuso, aí sim, aí o seu João me traz o pandeiro, que eu vou te compor um samba.
São 6 horas e eu já estou no whisky. O dia amanhece, e já me acostumei a começá-lo assim, com a bebida castanho-avermelhada, onde boiam pedrinhas de água de coco. Te odeio então, te odeio por me condenar a essa existência miserável, esse cheiro de álcool impregnado em mim, esse tic-tac infinito e cíclico, que só se dilui quando você passa. Te odeio então, por fazer da minha alma uma fonte perene, que você faz renascer com a sua ausência, e onde, à despeito das minhas penas em te esperar, você se delicia, com sede voraz, vampiresca.
E eu sei, eu sei que sou só mais um dos teus amantes, sei bem que o sorriso que me recebe é o mesmo para tantos outros, e ás vezes chego a ter a impressão que esquece meu nome.
Ainda assim, não posso me livrar desses olhinhos que me aparecem de surpresa no alto da rua, e que parecem - serão? - a própria alvorada. Te amo, menina, e se você não fosse assim, de uma liberdade felina, talvez jamais te notasse.
Você também me lembra a alvorada, quando chega iluminando meus caminhos tão sem vida. Seu João, desce aí o pandeiro, pega o violão, que eu me lembrei duma música do Cartola que vai cair muito bem pra nós dois.
Fechamos o bar e descemos a rua, ainda murmurando com nossas línguas vacilantes: alvorada, lá no morro, que beleza...



sábado, 8 de outubro de 2011

Coragem é manter-se vivo.

Quando eu morrer que me enterrem
Na beira do chapadão
Contente com minha terra
Cansado de tanta guerra
Crescido de coração.

Na beira do precipício, o sol quente tocava a pele e o vento soprava seu corpo na direção contrária àquela para qual seu senso destrutivo o direcionava.
Vivia assim de extremos, pelo prazer de compreender que quando se atinge o limite suportável, ainda é possível resistir um pouco mais.
Resistência. Se vivesse mil anos ou um segundo, que vivesse e morresse lutando. Que permanecesse de pé, que tivesse sempre a coragem de encarar o Sol, e buscar o alto, sempre mais alto, sempre mais pleno e mais forte. Que vivesse e que morresse como um guerreiro, que não se entrega jamais.