quinta-feira, 14 de julho de 2016

Às paredes do DADU

Homens e mulheres sem história são incapazes de entender de onde vieram. São pessoas sem forma, sem senso crítico, que reproduzem como gravadores o que lhes ensina a mídia, que vivem para o que lhes ordena a Indústria. 
Como tornar a vida mais lucrativa? Trabalhe 80 horas semanais! O Homem sem história trabalha sem questionar.
O sentido máximo de Alienação é esse: o trabalhador que não reconhece o produto de seu trabalho.
O produto de seu trabalho, no entanto, é o próprio Mundo. Quem fez o Mundo com a força dos próprios braços não sabe que ele é seu, não usufrui dele e aceita que lhe roubem o valor do que produziu.
É a mulher deprimida que chega ao nosso consultório, exausta e vazia, porque lhe ensinaram que nasceu para ser mãe, que o trabalho serve para sustentar os filhos, e agora que eles saíram de casa, ela não tem mais razão de existir. Essa Mulher não entende a história que a forjou. Não compreende porque isto lhe é imposto. Não entende o seu lugar no mundo.
Conhecer a própria origem é a única maneira de caminhar para frente, de não repetir os erros que foram cometidos no passado. Quem não sabe de onde vem, não entende quem é, não entende o mundo em que vive, anda a esmo.
Porque nos apagaram a memória, alguns defendem o retorno à Ditadura Militar. Não sabem que centenas de pessoas foram assassinadas, torturadas, sem ter direito a um único julgamento? Não sabem que a seres humanos foram infligidas dores inimagináveis, seres humanos cujo grande crime foi lutar pela democracia? Não sabem. Eles não têm memória.
E é por isso que me dói tanto a tentativa de apagar a história do DADU.
Ouvi dizer que pintarão de branco as paredes do D.A.
Pra quem nunca entrou ali, preciso explicar: as paredes do DADU são repletas de frases, frases que estudantes diversos escreveram à medida que foram passando pelo Diretório.
Aquelas frases já existiam quando, 4 anos atrás, eu passei pela primeira vez por aquela porta e conheci o único lugar que cuidaria um pouquinho de mim, que seria um pouco de refúgio, um pouco de carinho e muito aprendizado, neste caminho árido que escolhi trilhar.
Não era incomum que um professor, um estudante de residência, um médico já formado adentrasse a salinha e ao olhar para as paredes apontasse: “aquela ali fui eu que escrevi!”. Nos contava, então, alguma história inusitada de um tempo que já passou, que existe hoje somente num traço de tinta desbotado na parede.
Todos aqueles fragmentos têm uma origem. São pedaços de pessoas que foram se tornando lembrança. São centenas de mãos dando a sua contribuição a um Diretório que foi verdadeiramente uma construção coletiva. Aquelas paredes são a consciência e a memória do DADU.
Aquela lugar é vivo, fala comigo através de centenas de mãos, me conta a sua história.
Estão tentando emudecê-lo para sempre.
Mas eu não esqueço.
Se a tentativa é de nos apagar, apagar a história do DADU, se a tentativa é de exterminar o pensamento discordante, escrevo hoje para dizer que estou aqui. E que, como eu, muitos outros ainda guardam dentro de si alguma cor que o DADU lhes imprimiu.
Não vamos deixar de existir. Somos a história viva do DADU. Trazemos o DADU na pele e na alma, nas nossas histórias, em quem somos e nos tornamos, nos médicos e médicas que somos e seremos.
Sei que posso falar por todos eles quando digo: reivindicamos, hoje e sempre, o direito à Memória. Não somos homens e mulheres sem história.