quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Grana

mais um absurdo é recebido sem espanto
"nada vai mudar"
é o que nos ensina o mundo-desencanto
no jornal, em tinta, manipulação e sensacionalismo
o poder pergunta:
sua alma, sua crença, sua luta
custam quanto?

domingo, 24 de novembro de 2013

Quem sou eu?

Um vulto, arrepio.
Um pássaro cruza o meu caminho
Encaro como um sinal para andar mais devagar
Dois olhos me vasculham
Apalpo meu sentimento: vazio
No espelho está estampada a contradição
Quem sou eu?
Quem sou eu?
Quem
sou
eu?
A pergunta se torna cada vez maior
A razão não dá um pio.

Sinto minha sanidade por um fio.



quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Confusão

O que fazer com essa sensação de não fazer parte de lugar nenhum? Hoje eu olhei pro mundo e me senti tão pequena e frágil, como se eu fosse uma formiga prestes a ser esmagada. Eu acordei num lugar em que nunca tinha acordado, e durante a noite tive vários sonhos. Neles eu olhava o tempo todo o relógio. Daí acordava assustada, e olhava o relógio real, me perguntando o que era real, as horas não eram as horas do sonho. E nesta perturbação das horas vi o dia amanhecer, na esperança de que o amanhecer do dia tirasse essa sensação de dentro de mim. Mas ela não foi embora. Estou aqui sentada sozinha, agarrada na solidão que me machuca tanto, nas coisas que habitam minha cabeça, meu coração, meu corpo, e que ninguém nunca vai entender, que nem eu mesma vou entender, por essa humanidade louca de todos os seres humanos. Não sei o que é que há no mundo que tanto me esmaga. Talvez seja o quanto o mundo é grande. E a infinidade de caminhos que vislumbro. A maldição de poder escolher e depois ter de arcar com toda e qualquer consequência. A maldição de estar acordada, e mesmo dormindo, a cabeça não para. Eu me esmago tanto quanto o mundo, meus falatórios intermináveis quando não é oportuno, e meus silêncios constrangidos quando o mais certo seria falar. E então eu procuro palavras que me deem uma dimensão mais confortável de mim mesma. Porque neste instante eu sou como uma imensa esfera tentando caber dentro de um quadrado minúsculo. As pontas e as arestas me machucam. Meu peito é prensado contra uma face dura e fria. Eu estou sufocada, sufocada de mim e do mundo. Eu estou partida, como mil cacos de vidro, pequenos cacos disjuntos tentando sobreviver ao rolo compressor da vida, ou da morte. A liberdade, como a desejo e como a temo. A liberdade de poder ser qualquer coisa me trava, passo a me dar conta demais de todas as minhas ações, e então não consigo agir naturalmente. E quanto mais não consigo agir naturalmente, mais me sinto mal comigo, mais penso milimetricamente em cada gesto e menos ajo naturalmente. O mundo é feito de ciclos viciosos, em todas as suas partes. A política, a realidade, o sistema, nós mesmos. Tudo é feito para ser imutável, tudo é feito para ser sempre o mesmo, e só deixará de sê-lo por algum esforço monumental, homérico, heroico, de um indivíduo ou de muitos. Eu não sei. Eu não sei o que alimenta ou pode alimentar minha alma neste instante. Meu amor está cheio de dureza, de tristeza e indiferença, minha fé está cheia de ceticismo. Estou sendo esmagada. Esmagada pela tentativa constante de ser melhor, de ouvir e compreender, e das perguntas lançadas como centenas de navalhas cortantes por segundo dentro de mim. Estou ferida. Imploro à mente que aceite e abrace a solidão que sinto sempre, imploro que não tenha medo de tudo, que se acostume com a ideia de largar o refúgio e andar com as próprias pernas, e, prioritariamente, imploro que se cale. Não tenho paz. Estou com medo, estou apavorada. O mundo me esmaga como onda quilométrica quebrando na cabeça.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

mãos no volante
pela janela o vento acaricia
cortante
olhos e cabelos

mochila no banco do passageiro
não olhe pra trás! trato feito
Milton canta no rádio
o adeus reverbera no peito

pés na estrada
sem rumo e sem telefone
sem nenhuma explicação
cair assim de braços abertos
nos braços da solidão

memórias esquecidas
rasgadas, pisoteadas e trituradas
abandonadas
e que o hoje se faça imperativo de todos os dias

então abre um olho
como se o outro olho fechado a poupasse da realidade
como se a mantivesse no sonho
sonho, me ensina a ver!
mas o sonho está emburrado, não ensina
e o olho triste só enxerga
o mesmo quarto sufocante
o mesmo amor indiferente
inexistente?
bobagem.
nada é sempre nada
o mesmo e velho
tão conhecido
sentidamente sentido
nada.

as pernas, por outro lado, existem
por que não se vão?
talvez levem a cabeça
talvez levem o coração
vão, pernas!
fujam enquanto é tempo
enquanto há tempo
enquanto sou
enquanto não sou nada
nada embaixo da terra.

mas as pernas preferem a possibilidade de felicidade futura
disseram para elas que o pote de ouro estava no fim do arco-íris
então as pernas correm apenas atrás do amanhã
e o amanhã está longe
sempre longe
no horizonte.

















sábado, 9 de novembro de 2013

Sem dramas

Mais um capítulo se fecha
Mais páginas do meu livro voam para sei lá onde
Eu que já perdi tanto mais
Penso que por um lado,
A perda de mais um pedacinho não será caso grave.
Dessa vez economizo minhas lágrimas
Começo, imediatamente, a recrutar areia, cimento, tijolo
Arregaço as mangas e me ponho a reconstruir
E agradeço, agradeço por existir,
Pela parte de mim que é indissolúvel, indivisível
Pela força maior que acredito estar sempre comigo
E que seja um conforto de tolo
E que esse conforto continue sento a pilastra que não me deixa cair.
Já não é o primeiro adeus e nem será o último.
Eu que me dispuz a passar pela vida de peito aberto
Sem medo
Continuo pelo meu caminho, pé ante pé
Pelas tantas coisas nas quais ainda acredito
Pelo amor que sempre foi real e nunca me faltou
Pelo pouco que tem significado na vida
Pelo quanto esse pouco é imenso
Inexorável
E então eu silencio tudo isso
Eu fecho o livro
Eu olho uma última vez e me despeço
Sem dramas.



segunda-feira, 14 de outubro de 2013

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Ingrata

Estou feliz.
Mãos, pés, olhos, raios de sol, tênis vermelho, solto o cabelo, batom carmim.
A paz parece cobrir tudo em mim
Abro mais um sorriso como uma nova mania
Mas, porém, contudo, entretanto, todavia...
Sinto saudade de mim como me conheço, como aprendi a ser Sofia
Quando derramo lágrimas nas páginas de um velho livro e me entrego a ele completamente
Quando entendo as palavras de Drummond e o universo é tristinfinitamente
Pois, Carlos, perdoe se agora a comunhão com esse cosmos me escapa
Se hoje subtraio meu descontentamento dessa triste sinfonia
(E agradeço, sinceramente, a belíssima regalia)
Mas confesso que sinto falta...
Sinto falta das grandes compreensões dentro da melancolia
Das grandes paixões, desilusões, abrir o peito, hemorragia
Sobretudo sinto falta de ver brotar
de pedaços partidos
perdidos
doídos
a poesia.




domingo, 15 de setembro de 2013

Meu

Chega sorrateiro
com o seu sorriso mais bonito
de menino travesso.
De repente meus pés estão entrelaçados nos seus passos
e eu me encolho nos seus braços
abraços
que se fizeram cais
em meio às marés da minha incerteza.
De repente te vejo com tanta clareza
e seus olhos, não me deixam parar de olhar.
Infinitos, tão extensos, se perdem no horizonte...
Me deixo mergulhar.
Para além de todas as palavras,
seus olhos me olham com carinho, alegria e fome.

O dia amanheceu...
O tempo escorregou entre nossos lábios
sussurros.
O tempo vai embora, sem saber que, entre estes lençóis
ele também é meu.

Meu oposto tão eu
Meu inusitado esperado
Meu presente
Meu pedaço
Meu menino
Meu.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Olvidar

Gostaria de guardar tudo isso num compartimento.
Porão da memória e do sentimento.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Insônia

Cada louco com a sua mania
Cada lunático com a sua poesia
Sua alegria, seu fim
O real tem sido pouco para o que o sonho ansia
Desejos insaciáveis de infinito
Como se o infinito fosse comestível, tragável.

É, definitivamente, você tem razão quando diz.
Não sei ser leve
Tudo em mim pesa de intensidade.
Mas se te apetece...

Dois olhos abertos na madrugada
Pés enrolados sob o cobertor
No peito, a dor
que não adormece.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Condenação

Cresceu como erva daninha onde ninguém deu permissão
Entre blocos de concreto, cinza, cimento, escuridão
Se alastrou, tomou tudo, do telhado ao porão
De inquilino indesejado passou a cruel anfitrião
Trancou-me à corrente e cadeado num minúsculo alçapão
Me olha agora de seu pedestal, rindo da contradição
Quem cobiçou o amor alheio, veja agora, a conclusão...
Senhoras e Senhores!
Ao criminoso, a punição
O ciúme lambe os dedos ao devorar meu coração.


sábado, 24 de agosto de 2013

Metalinguagem

Fossa:
"hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
exijo respeito, não sou mais um sonhador"
Chico Buarque - O trovador
Codinome beija-flor
Por um segundo cogito rimar amor com dor
E engordar o clichê universal dos mal amados
Mas me reservo o direito de calar
Pois há sentimentos e ressentimentos além do que é cognoscível.

Sei que quero ir pra Cuba, o mais rápido possível.






domingo, 18 de agosto de 2013

Caleidoscópio

Preciso de palavras que me protejam. Que me completem, e que ao fazê-lo, extinguam definitivamente essa dependência gigantesca de outras pessoas. Preciso de palavras que me expliquem, que me expliquem porque sou assim, que de alguma forma impeçam essa sensação de insuficiência. Preciso de palavras que me inflem, que me façam parecer maior do que sou. Que mascarem, que vistam de cores e fantasias o meu espírito, minha consciência, ou seja lá o que for, para que seja forte e não envergonhe-se jamais de si mesmo. Preciso de palavras que soem inteligentes, que forneçam o olhar profundo e calado, a boca que sorri como um convite. Palavras que façam parecer que acredito em mim mesma, embora não acredite. Palavras que seduzam e que mintam descaradamente. Que neguem tudo o que anda dentro. Que sejam calmaria, ainda que tudo em mim seja tormenta. Que não me denunciem, que não me entreguem como sempre fazem, que não sejam reflexo límpido, mas caleidoscópio. Preciso de palavras turvas, que confundam a visão do que sou. Que contem histórias-metáforas, que deixem subentendido, que criem códigos e anagramas quase impossíveis de se decifrar. Palavras, palavras que na verdade não digam. Palavras que sejam sugestões. Palavras sem pontos finais, infinitas. Preciso de palavras que se façam quartel general, porto, alicerce. Preciso de palavras que jamais soem ridículas. Que jamais traiam. Preciso de palavras de coração frio.

domingo, 11 de agosto de 2013

domingo, 28 de julho de 2013

Se eu pudesse, ia embora

Quando me faltam palavras, fico muda
Sou um ser em constante metamorfose
Itinerante de mim mesma.

Sou pouco.
E na falta de palavras que te tragam mais para perto
Fico em silêncio.
Quando seus olhos dão o menor sinal de não
Fico em silêncio. E mantenho os lábios rígidos.
Quando seus olhos
dão o menor sinal de não...

Pois prefiro a solidão.
E deixo vir a amargura.
Tua lembrança no meu corpo é mal que se instala subitamente
Cortante loucura
Arrepio que vem por qualquer sombra de recordação de você nos meus braços
Afasto a memória...
Censura.

O fim é o mesmo.
As malas estão sempre prontas no canto do quarto
O adeus está sempre formulado
A carta de despedida na gaveta.
Um belo dia vou sumir
Ir pra qualquer canto, mudar de nome.

E quiçá esquecer os seus olhos de menino
que me pegam sempre tão desprevenida...



sábado, 27 de julho de 2013

Mais uma carta...

Hoje é seu aniversário. E curiosamente foi você quem me mandou um texto bonito que parecia com a gente. Era tão bonito que caí na tentação de escrever alguma coisa do tipo... Não. Sejamos sinceros. Eu escreveria de qualquer forma, e você sabe disso. É você quem tem ao menos umas cinquenta cartas minhas.
Essa semana lembrei de você o tempo todo, involuntariamente. Toda hora lembrava de algo engraçado que você faz ou fazia, com esse seu talento pra interpretação e sua ironia refinada.
Senti falta de ter do lado alguém que me entende tão bem, que conhece meus defeitos, que faz graça por me conhecer tanto assim, que sabe que eu choro quando estou com sono. Eu sinto tanta saudade de como a gente tinha sempre uma poesia nova pra se dedicar, de como planejávamos nossos presentes de aniversário, do cd que você gravou pra mim e a primeira faixa era você cantando no violão a nossa música, eu sinto falta de sentar e conversar horas e horas e horas sobre um filme (e até gravar um vídeo sobre ele). Eu sinto falta até das brigas homéricas, que me faziam achar que o mundo ia acabar, de sentar sozinha numa praça pra pensar a respeito, e terminar entre lágrimas o Cem Anos de Solidão, que se tornou meu livro preferido e depois também o seu.
Sabe, hoje eu tenho outros amigos, outra vida muito diferente. As pessoas que estão do meu lado hoje são tão mais leves do que a gente era. Mas me pergunto sempre se alguma delas algum dia vai conseguir ser parte de mim como você foi. E não é nem uma questão de gostar mais ou menos. É de estar misturado, gostar de tudo igual, compartilhar da mesma profundidade exagerada, da mesma teimosia, das piadas que ninguém entende, do mundo que a gente inventou.
São tantas lembranças... E acho que eu nem preciso nomeá-las, porque elas são suas também.
Desejo hoje pra nós que consigamos estar perto com mais calma e mais maturidade, mas que depois de tantos anos e de tantas dificuldades, depois de tantas coisas que perdemos, ainda que já não nos falemos com tanta frequência, ainda que já não saibamos de cada parte da vida um do outro, ainda que já não joguemos o jogo da verdade,  ainda assim... Que possamos existir, da forma que hoje é, da forma que será, que eu não sei qual é, para sempre. Porque ainda que muitas coisas tenham mudado, nossa essência sempre será a mesma, e de alguma forma, sempre vamos nos conhecer. Melhor: sempre vamos nos reconhecer.
Obrigada por ter continuado do meu lado, mesmo quando meu coração estava tão machucado que eu não conseguia te dirigir uma única palavra de afeto. Obrigada por ter continuado ali mesmo quando nos magoamos tão profundamente que carregaremos sempre cicatrizes. Obrigada por me entender e gostar de mim como eu sou, mesmo que eu seja chata, sentimental, séria demais em alguns momentos, idiota demais em outros, criança demais e velha demais. Me permita então mais esse excesso.
Que sua vida seja cheia de beleza, de intensidade, de significados. Que você saiba achar o seu caminho e seguir, apesar de todos os medos e incertezas. Que você realize seus sonhos, alcance seus objetivos. Que tenha sempre saúde.
Feliz Aniversário, que seu dia hoje seja lindo. Que você seja meu melhor amigo para sempre.
"Para você, silenciosos, todos os poemas do mundo".





sábado, 29 de junho de 2013

Decadência

Ficam meias palavras
textos sem acabar
mais uns tantos na lata de lixo

tenho uma úlcera no peito
pronta para me atravessar
meu sentimento ganha teias
apodrece e cria bicho

tenho acordado todos os dias como num sonho ruim
tenho gostado muito pouco de mim
fim.

sábado, 8 de junho de 2013

Hoje (ou: Pessimismo)

Olho hoje para mim sem saber o porquê das escolhas que fiz
achando parca, pouca, pobre e mesquinha a minha motivação
olho hoje para mim e vejo tão menos do que quis
vejo um ser trêmulo de medo da solidão
Hoje olho para mim e vejo minha maior verdade por um triz
no espelho me olham os olhos da frustração
olho hoje para mim sem perspectiva de ser feliz
remendando os pedaços do meu coração
hoje, só hoje, finda minha força motriz
e não encontro direção
sou hoje tola imperatriz
de um pedaço infértil de sertão
vasculho minha alma, hoje, e ela nada diz
o silêncio ressoa na desilusão
hoje vejo que todo amor que plantei não criou raiz.
Petrificou o chão.














sexta-feira, 7 de junho de 2013

Pedido aos gatinhos pingados que passam por aqui...

Hoje sem poesia, venho fazer um pedido a qualquer um dos gatinhos pingados que aparecem por aqui de vez em quando... Peço que vocês vão conhecer a poesia do meu maior ídolo, e por coincidência, meu pai.
Sei muito bem que sou suspeitíssima para falar, afinal de contas, antes de tudo amo esse velho profundamente.
Mas ainda assim falo: poucas vezes li coisas tão bonitas.
(Tem inclusive um poema pra mim, olha só que chique).
Passem lá, ele anda tão empolgado com tudo isso, ele que sempre leu tanto e sempre falou tantas coisas bonitas, e sempre recitou poesias, descobriu, já velho, em si mesmo a capacidade de criar. E isso me orgulha tanto...
Façam um carinho, que ele merece: http://poesiamendiga.blogspot.com.br/

sábado, 1 de junho de 2013

Metade

Tensionamos a corda ao extremo absurdo
para ver como e quando ela arrebenta
para testar dos nós
e de nós
o limite
(meu olho no teu é convite).
O proibido, moço dos olhos penetrantes
dança e ri da nossa tentativa de fidelidade
- dilema da nossa vontade.
Enquanto isso, arregalados
nos fitam os grandes olhos da vaidade
atiçando nossa crueza
nossa maldade.
O que há de selvagem
e até mesmo grutural
no que somos
sugere todo tipo de erotismo
sedutor abismo
e caímos inevitavelmente no cinismo.

Não somos.
Não sendo, somos.
Somamos.

Somos a mais cortante traição
E a mais inegável sinceridade.
Somos mania
hipocrisia
metade.







sexta-feira, 31 de maio de 2013

Ressaca

Trago
fumaça tóxica
no meio de construções que não deixam ver o sol
lixo da civilização civilizada
Trago
no peito a vontade inútil de fazer qualquer diferença
dilema intrínseco de ser agulha num palheiro
Trago
fumaça mágica de dar asas à mente
da irreverência que precisa se ostentar em gesto
Trago
a infantilidade de ainda possuir sonhos
numa realidade camuflada
travestida
incoerente
Trago
o vazio existencial próprio da minha geração
Trago minhas palavras
trago outras palavras
profundamente
puxo o ar até que elas ganhem os meus pulmões
e espero que me invadam
me transbordem
me expliquem enfim
o que não sou capaz de entender

Realidade indigesta




terça-feira, 14 de maio de 2013

Carência

É... há dias em que não há razão, simplesmente não há razão.
não há perdão. nem para os meus,
nem para os seus pecados.
então por que você não vem?
deita aqui do meu lado...

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Hora. Ora.

O som do mar a encher de vida pés cansados, pernas que outrora estiveram entrelaçadas a outras pernas, e que, com o tempo, aprenderam a cartilha do caminhar só.
O mar dos olhos, o mar da presença tranquila, que deixa descansar, esse mar a encher a alma novamente, ensinando de novo a sonhar.
Ser um pouco criança, e ter fé.
Viver não contém uma só gota de racionalidade, não se tratam de probabilidades.
Tudo é um brotar e morrer. Morrer para brotar, brotar para morrer.
Boiar então, no oceano infinito, infinitamente vulnerável às marés, ao sol, ás vontades de entidades muito maiores, ainda que essas entidades sejam somente - cheio de majestade - o acaso.
Beleza no que é belo, e colher cada um desses instantes. Fazer sentido nunca foi necessário.
Reverenciar o que é incontrolável, viver o indizível como a mais bela poesia.
Se curvar diante do inexorável.
E abraçar cada um dos defeitos, cada uma das escolhas, cada uma das responsabilidades, cada uma das consequências como quem recebe um filho pródigo novamente nos braços cheios de saudade.
Imagens que não dizem nada, livre associação de palavras, livre sentimento.
Liberdade.
Amém.

domingo, 28 de abril de 2013

Mesquinha

Com a corda no pescoço
olho para o mundo de dentro do poço
ambicionei a sabedoria de quem sabe dizer adeus
mas ainda sou só um cão
que rosna para o olhar que ameaça
seu tesouro insosso

Difícil largar o osso...



quarta-feira, 24 de abril de 2013

Quarta-feira à noite

Meu estômago está me incomodando novamente...
Tudo por aqui anda cheio de egocentrismo, eu sei bem
Sei também que ando viciada em rabiscar uns versos
Será que nunca mais escreverei em prosa? 
Well, well... Vamos tentar.
A releitura de textos meus de mais de dois anos atrás me levou à constatação de que, apesar das mudanças radicais de cenário, estive sempre mais ou menos na mesma.
Sempre a filha da puta da dor de estômago... 
Cerveja demais, café demais. 
E o senhor, raríssimo-leitor-gatinho-pingado, vem-me então cheio de recriminações, recomendações, um dedo em riste! 
Ora, veja bem, se o fim é sempre o mesmo, me deixe tomar meu cafézinho em paz que está fazendo frio...



sexta-feira, 19 de abril de 2013

Armadura

Em alguns momentos vejo-o ausentar-se de si mesmo.
Nesses momentos seus olhos negros fitam algum lugar no vazio.
Pressinto, então, sua alma em busca do que lhe faça sentir
Enfim o essencial que lhe falta.
Entendo tudo isso com uma lucidez doída.
Ás vezes você é cúmplice, outras vezes carrasco.
E ao mesmo tempo que se entrega, se fecha, vai embora.
E me faz duvidar.
Eu me pego caminhando entre cacos do seu sentimento
De pés descalços.
Entre tantos versos, palavras jogadas entre nós
Em meio a tudo que silencia
E até mesmo quando há qualquer promessa de futuro
Espero sempre o seu adeus.
Porque, de alguma forma, você sempre se despede.
E jamais despe a armadura que o protege e o imobiliza.

terça-feira, 19 de março de 2013

There is a better world, well, there must be

São tempos estranhos estes. Essa noite sonhei que eu era um guerrilheiro chamado Fidel que morreu baleado ás 5:15 da manhã. Me vi morrer com essa riqueza de detalhes.
Estou lendo mais uma vez "As vantagens de ser invisível" e tentando encontrar aquela menina de 13 anos que pela primeira vez se apaixonou por um Charlie que se sentia tão sozinho quanto ela.
Tenho ouvido "Asleep" o tempo todo, e entendo melhor que nunca o pedido desesperado: "sing me to sleep".
É triste constatar que eu só passei de solidões a solidões cada vez mais profundas. Que de cada amor herdei somente o cinismo, como previu Cartola.
Eu ando por aí, eu observo as pessoas que caminham apressadas sob a chuva fina, e já não há saudade, e já não há ansiedade, e já não há muita coisa para querer nem para temer. Ando por dentro das sombras da noite me sentindo parte delas.
Eu gostaria de poder deixar palavras que não doessem tanto. Eu gostaria que existisse uma máquina como a de "Brilho eterno de uma mente sem lembranças".
Tudo isso é ridículo. E é pior ainda porque é impossível.


quinta-feira, 7 de março de 2013

O relâmpago e as nuvens

"Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão"

Caminhou envolto em tempestade, sob um vento que ameaçava arrancar seu corpo magro, seus ossos frágeis do chão ao qual sua existência era tão arraigada.
Caminhou com seu passo firme, seus movimentos contidos, uma mão segurando o chapéu para que não voasse, a outra a pasta pequena contendo papéis (todas as burocracias que enfrentaria naquele dia e nos próximos, até o dia de sua morte, sem burocracia nenhuma).
Chegara 5 minutos antes do trem e agora estava pensando nas meninas bonitas da cidade, no seu andar sobre as nuvens, seu desfilar ileso da beleza cruel do mundo, seus olhares cheios de ilusões.
Por um momento teve vontade de destruí-las, de desenganá-las, como quem, diante de um campo florido insuportavelmente belo, desfaz em pétalas frágeis nos seus dedos rígidos as pequenas flores.
Ao mesmo tempo, quis amá-las, cuidá-las, plantá-las e regá-las diariamente para que praga nenhuma neste mundo viesse destruir-lhes os sonhos.
Mas nada pôde fazer porque, na verdade, ele era concreto metal, infértil e impermeabilizado contra toda a fragilidade ingênua. Jamais poderia tocá-las pois elas não pertenciam ao seu mundo, à sua realidade de chão batido e queimado.
Tal constatação foi-lhe, neste segundo, 3 minutos antes da chegada do trem, especialmente tóxica.
Ele não pôde suportar. Ele não soube mais como enfrentar aquele homenzinho duro, digno e infeliz no espelho. Ele não soube mais como articular seus joelhos, seus pés, para que fizessem o caminho de volta. Ele também não soube como continuar.
E assim, 2 minutos antes da chegada do trem, Manuel decidiu, assim subitamente, como ataque cardíaco fulminante, que aquele era seu fim.
Deitou-se sobre os trilhos.
Olhou para o céu. Quanta força, Meu Deus. Começava a chover. Um relâmpago infinito, estrondo que fez tremer os confins do mundo, clarão revelador, e a morte montada em seu dragão veio buscar o olhar mais infeliz de seu último filho.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Me demito!

Eu me vesti do avesso, eu me calcei no pé errado.
Tenho sido pra mim mesma uma bela pedra no sapato.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Ilusão

Há algum tempo vejo-a minguar, vejo-a apagar-se, como uma estrela que começa a morrer. A cada dia olhos mais fundos, cabelos mais ralos, costelas mais proeminentes. Em certo ponto, surgiram marcas arroxeadas por todo o corpo...
Marcas fizeram-se feridas, cada vez maiores, sangrando incessantemente.
Um dia ela desistiu de lutar, abriu o peito e entre lágrimas sem fim, deixou-se desfazer em um mar de sangue.
Restou um amanhecer completamente vermelho e um buraco no chão.
Sinto falta de tê-la comigo. Me despi de sua presença, e assim me despi também de minha pele, fiquei em carne viva.
Agora resta lançar-me aos espinhos da vida sem qualquer proteção. E esperar que algum dia haja também a rosa. E que talvez essa rosa traga consigo o perfume das coisas, que se perdeu no momento de seu último suspiro.
Visite-a hoje no túmulo em que repousa, deixei flores cinzas, murchas e sem cheiro.
Li mais uma vez em sua lápide:
"Mal deu os seus primeiros passos neste mundo...
E o Mundo não fez cerimônia em se mostrar
Sorriu com seus olhos bonitos e seus dentes podres
E disse que a vida era uma faca de dois gumes
Ela não pôde aguentar... Desfaleceu-se!
Morreu, minha pequena e frágil Ilusão".

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Clara

Não choro mais, não vale a pena
Me ensinaste que a vida é doce, pequena
A tua Clara-preta companhia me faz serena
Avante contra solidão, munidas de poemas

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O que parte e o que é partido

Para Mateus, Victor, Ana, Gi, Isabela, Phelipe, Mariana

Dou parte!
- Me falta uma parte
Saudade que me parte
Me aperta
















sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Flores murchas

A velha de preto faz sua oração
em uma mão um terço
O menino escuta a vozinha da velha, a outra mão
embala o berço

Longo vestido preto
costurado de viuvez
Calvário de vida que jaz
arrependida do que não fez

Rugas são abismos
cicatrizes do tempo que pra sempre vai
saudade da meninice de tempos idos
do cheiro da comida do pai

A mão da velha embala o berço
e os olhos do menino são a derradeira alegoria
ela conta avarenta nas contas do terço
seus momentos de alegria

O menino sorri alheio, imerso
no seu mundo do tamanho de dois braços protetores
do muito que penso, só sei dizer em verso
amores, temores, dores, flores







quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Homo sapiens sapiens


23 cromossomos paternos e 23 maternos. Do amor de dois eis que surge uma célula. Alguns nanômetros de extensão, tão frágil, tão improvável, tão pequeno...
Um se torna dois, dois se tornam quatro, quatro se tornam oito, que se tornam dezesseis.
Estruturas que não passam de um aglomerado de elementos químicos tomam vida, e lá estão elas, seguindo uma receita tão bem estruturada: faça-se um braço! uma perna! um pulmão! um coração! um cérebro!
E do que era invisível, do que era desprezível possibilidade contra infinita probabilidade de falha, se constrói um indivíduo, um "eu" complexo, de artérias, veias, órgãos, pensamento, sangue, sentimento... Do sentimento humano, o mundo tal como conhecemos. Tudo o que saiu do homem e teve como única função preencher o vazio, a inexorável e imensamente assustadora consciência de nossa própria existência. Homem que sabe que sabe. Que sabe de seu próprio fim.
Embora olhando para dentro eu saiba, cada vez mais, da beleza inscrita nas linhas da existência, e embora eu me sinta completamente abestalhada diante da perfeição de um corpo que surgiu do invisível e que trabalha, com tamanha eficiência, com tamanha beleza e sutileza, para sua própria sobrevivência e a de sua espécie, ao olhar para fora o espanto é ainda maior: tudo isso é tão pouco, é nada.
Do amor de dois eis que surge uma célula. E um outro serzinho que é pedaço de um e de outro, amor que se faz concreto, que se faz independente de quem amou, que anda, que fala, que dissemina amor, se quiser.
Eu pensei, durante tanto tempo, que encontraria a poesia nos livros...