sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Tudo aquilo que renasce

Quero ser livre de todos os cativeiros da minha alma, quero precisar menos de tudo que me amarra a este mundo, e ser mais essência.
De repente, toquei uma parte que achava estar morta, uma parte que tem uma urgência perpétua da vida, e que me faz sentir, no amor ou na dor, pulsante, como uma corrente de ar que enche minhas veias de sangue, e vai dos fios do meu cabelo á ponta dos dedos dos pés.
De repente, essa parte renascente precisa dizer ao mundo todo que vive, que anda, que sente, e que nenhum ideal está abandonado, nenhum sonho esquecido: a solidão vem me lembrar.
Quero dançar, quero colocar tudo o que sou em harmonia, uma harmonia cortante, de me saber plena no silêncio de não precisar ser, de me saber entendida somente pela minha própria consciência, de me saber infinita e infinitamente solitária: nada do que eu diga vai ser suficiente para me fazer compreender.
E estar no mundo, como observadora, como andarilha de todos os sentimentos, viajante de todos os acontecimentos: viva, e muda.

sábado, 12 de novembro de 2011

Andarilho

Vaga, arrastando os pés
Arrastando correntes
Vaga
Como um fantasma
Como uma presença ausente
Como uma lembrança
Asa de beija-flor
Onde está?
Não vi
Vaga
Com seu ser solitário
Em si: a única certeza
Pois foi e está esquecido
Vaga
Pois não há nada além de vagar
Nesse carrossel colorido de viver
Onde todas as cores
Passam
Passam e não voltam
São momentos vagos
Vaga
Porque a vida é vã
e a alma
a alma é
Vaga
Vaga porque o amor é inútil
Porque só há
a andança
Para ser mais forte e suportar a solidão
Vaga
Talvez haja um sentido em vagar
ou talvez seja tudo vago
ou talvez só haja
o tempo.


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Vício

São 4 horas da manhã e já te espero descer a avenida, desse jeitinho que só você sabe fazer, segurando o sapatinho número 35, e cambaleando um pouco, mas sempre mantendo a postura e esse gingado, essa sua forma de desfilar meio samba e meio bossa-nova.
São 5 horas e você ainda não veio, seu João, atrás do balcão engordurado, prevê minha impaciência e desce mais uma cerveja, faz uma piada, me oferece o pandeiro, mas não, seu João, o batuque fica pra depois. Assim que você passar, e eu puder dar uma olhada no seu cabelo desarrumado, de quem passou a noite por aí, no meio de qualquer lençol amassado, assim que eu puser meus olhos em você, na sua maquiagem borrada, no seu meio sorriso confuso, aí sim, aí o seu João me traz o pandeiro, que eu vou te compor um samba.
São 6 horas e eu já estou no whisky. O dia amanhece, e já me acostumei a começá-lo assim, com a bebida castanho-avermelhada, onde boiam pedrinhas de água de coco. Te odeio então, te odeio por me condenar a essa existência miserável, esse cheiro de álcool impregnado em mim, esse tic-tac infinito e cíclico, que só se dilui quando você passa. Te odeio então, por fazer da minha alma uma fonte perene, que você faz renascer com a sua ausência, e onde, à despeito das minhas penas em te esperar, você se delicia, com sede voraz, vampiresca.
E eu sei, eu sei que sou só mais um dos teus amantes, sei bem que o sorriso que me recebe é o mesmo para tantos outros, e ás vezes chego a ter a impressão que esquece meu nome.
Ainda assim, não posso me livrar desses olhinhos que me aparecem de surpresa no alto da rua, e que parecem - serão? - a própria alvorada. Te amo, menina, e se você não fosse assim, de uma liberdade felina, talvez jamais te notasse.
Você também me lembra a alvorada, quando chega iluminando meus caminhos tão sem vida. Seu João, desce aí o pandeiro, pega o violão, que eu me lembrei duma música do Cartola que vai cair muito bem pra nós dois.
Fechamos o bar e descemos a rua, ainda murmurando com nossas línguas vacilantes: alvorada, lá no morro, que beleza...



sábado, 8 de outubro de 2011

Coragem é manter-se vivo.

Quando eu morrer que me enterrem
Na beira do chapadão
Contente com minha terra
Cansado de tanta guerra
Crescido de coração.

Na beira do precipício, o sol quente tocava a pele e o vento soprava seu corpo na direção contrária àquela para qual seu senso destrutivo o direcionava.
Vivia assim de extremos, pelo prazer de compreender que quando se atinge o limite suportável, ainda é possível resistir um pouco mais.
Resistência. Se vivesse mil anos ou um segundo, que vivesse e morresse lutando. Que permanecesse de pé, que tivesse sempre a coragem de encarar o Sol, e buscar o alto, sempre mais alto, sempre mais pleno e mais forte. Que vivesse e que morresse como um guerreiro, que não se entrega jamais.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Para os olhos ateus

Pra você, meu pedacinho de sentido, meu pedacinho de felicidade, meu refúgio, meu colo, minha casa, meu pedaço de eternidade, minha crença, minha religião, minha poesia, minha escolha, meu destino, minha esperança, meu futuro, minha inspiração, meu pra sempre... eu agradeço por cada um dos nossos segundos, tão nossos.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Tarde com Clarice Lispector

Entrei naquela cozinha iluminada pelo Sol da tarde, cheirava a café, e ela me disse que era só um instante, que ela só estava terminando de passá-lo. "Meu café é amargo como ás vezes sou, espero que não se importe".
Clarice não sabia que o amargo dela era a parte mais doce do mundo.
Desculpou-se pela bagunça em cima da mesa, disse que não havia recolhido aquilo desde a manhã, quando trabalhara na 'compilação' de suas idéias, e de alguns fragmentos que havia imaginado na semana anterior.
Sentei-me em sua mesa de madeira, agradeci por ter-me recebido de tão bom grado, expliquei em simples termos minha admiração por ela, se não pela literatura e a habilidade com as palavras (incontestável), então por ela mesma, como pessoa, escrita em essência naqueles textos e em certos momentos tão visível, tão palpável, por trás de tais palavras, que eu chegava a julgar (talvez 'julgar' não seja a melhor palavra, corrijo-me: eu chegava a sentir) conhecê-la na intimidade.
Logo que pronunciei tal declaração, me senti de imediato vexada, afinal de contas, eu não era mais que uma estranha sentada na cadeira de sua cozinha.
Mas pra minha surpresa, Clarice me olhava com afeto, sem abandonar aquela tristeza sempre presente no olhar.
Me perguntou se, como sua amiga íntima, eu gostava dela.
Lhe expliquei então, com algumas omissões necessárias e em termos eufêmicos, que não só gostava dela, como em certos momentos, parecia que ela havia lido minha alma, parecia que ela era eu.
Ela sorriu com o canto dos lábios, com esse sorriso fugaz e velado de Clarice, e disse que quando ela escrevia, ela era toda a humanidade, e que não escrevia para ninguém, e que ás vezes escrevia somente para si mesma, e que por isso mesmo conversava com a alma de qualquer ser vivo.
Perguntei-lhe como era conviver com tamanha intensidade dentro de si. Ela disse que era segredo, mas que no fundo eu sabia a resposta de cor e completamente.
Clarice falava de suas histórias de forma modesta, colocando-se como uma escritora de menor grau, mas em momento nenhum era modesta quanto á sua sensibilidade e intensidade, falava delas com certo orgulho, embora suas maneiras delicadas não deixassem transparecer nenhum tipo de vaidade.
Cheguei então á questão principal. Confessei á ela, já estivesse completamente à vontade, que na verdade eu estava ali sim para saber um pouco mais de sua obra, como grande leitora de seus livros e alguém que pretendia (quem sabe um dia) escrever, mas que, principalmente, gostaria de saber se ela tinha alguma solução para a vida.
Ela pareceu um pouco curiosa frente á tal afirmação e me incentivou a continuar. Expliquei: a vida andava vazia (afirmação banal quando dita, mas arrasadora quando sentida) e eu vivia na ânsia de produzir qualquer coisa que pudesse inspirar, e que eu pudesse deixar no mundo , que pudesse permanecer após a minha morte. Eu queria deixar algo de verdadeiro valor para o Mundo, mas parecia que o que o Mundo esperava era que simplesmente sobrevivêssemos, acumulássemos, reproduzíssemos. Contradição intrínseca! "Clarice, simplesmente não há como viver á parte da realidade. Meu ser nega á todo tempo o real, o orgânico, o cru, o concreto, mas, ao mesmo tempo, é impossível negá-lo, é impossível, aliás, em certos momentos, conceber qualquer coisa além disso."
Ela então me olhou muito profundamente nos olhos, e disse cheia de carinho "Ora, querida, pois é essa a questão de todo ser que sente. Esse embate, essa contradição, como você mesma diz, intrínseca, é a grande angústia do indivíduo, é o que faz com que os adultos sejam sempre tristes e sozinhos. Não há solução. Não temos de buscá-la. Estamos vivos enquanto estivermos vivos, e sentimos porque é inevitável. A parte disso, existe toda a intensidade da vida, a ser sugada, como um bebê, que suga vorazmente o seio machucado da mãe. O mundo está machucado da nossa sede, também, mas há que sugá-lo até a última gota. É algo como a lei da natureza. Muito cru, insuportavelmente cru, e ao mesmo tempo, simplesmente e naturalmente digerível. Se quer um conselho: faça um pedido ás suas entranhas, logo a indigestão tornará-se mero desconforto, até que volte."
Aceitei o conselho de minha amiga autora (se me permitem o abuso), voltamos ao café e tratamos de falar de trivialidades, se bem que, para Clarice, nada era trivial, sob tudo residia um sentido maior, uma poesia e profundidade que ás vezes só ela captava.
Deixei-me estar envolvida pela tristeza e gravidade de minha desconhecida nova amiga e de toda a vida, e a tomar seu café amargo como ela era doce, e me perder no alaranjado daquela tarde, cerca de 40 anos atrás, no dia de hoje.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Ao poeta perdido

Cadê você? Olho e não te vejo mais. É o mesmo corpo, a mesma barba, os braços que já foram a segurança do mundo. Mas não é você. Seu discurso está vazio. Seu amor se mostrou condicional, fraco e limitado. Seu abraço não me cabe mais.

domingo, 3 de julho de 2011

Ao pó.

Da tentativa, ficou a frustração. Da motivação, ficou o nada, ressoando como pontadas dentro de mim. Da poesia, só vi o concreto. Da crença no futuro, ficou a desilusão. De todo colo quente, ficou o sozinho. De toda luz, ficou cinza o céu azul. De tudo que floresce, ficou a morte inevitável. Da boca sorrindo, ficou o perpétuo gosto de sangue. Do que era música, ficou o silêncio. E a dança se transformou nos dedos acusadores da platéia. O movimento alegre e livre está aprisionado. E as asas que levavam à imensidão estão podadas. Do que era inspiração, ficou o vazio.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Acalanto

- Estupendoirreverentemelancólicoprofundointensomergulhonopulsonosanguenalma!
Foi o que Alicia, uma das críticas de arte mais jovens de seu tempo, metida à entendida e com um corte de cabelo francês, soltou num único fôlego ao encontrar pela primeira vez a obra de Renato.
O quadro tinha uma pegada vanguardista, qualquer coisa expressionista, mais ou menos abstrata e surreal.
A moça quis conhecer o tal Renato, da caligrafia quase ininteligível e dos quadros emocionais, e surpreendeu-se ao se deparar com um homem que não parecia ter completado nem seus trinta anos de idade, de aparência absolutamente jogada, cabelo mal cortado, barba mal feita, unhas sujas, e por trás disso tudo, um rosto de rapaz bonito e bem criado.
Chamou-o para tomar um café em sua casa, e discutir suas obras e influências artísticas, mas assim que o rapaz colocou o pé para dentro da linha da porta de seu apartamento, Alicia envolveu-o em seus braços e saciou em sua saliva a sede de seu desejo.
Foi um ato desesperado de quem precisava romper a monotonia inerte e perpétua, agitar a alma e expulsar o tédio. Agora jaziam os dois no chão, semi-mortos em meio a livros e textos manuscritos, milhares deles, incrivelmente rasurados.
Jaziam em meio á própria solidão doída e veladamente compartilhada.
Renato pegou um dos livros empilhados, e não pôde resistir à vontade de perguntar a ela de quem era a dedicatória, cheia de tantos versos de amor.
E como se tivesse esperado sempre por este momento, Alicia olhou bem nos olhos de Renato e narrou toda a história de seu amor e seu fim catastrófico, e Renato sentiu-se à vontade para contar da sua grande decepção, encarnada numa ruiva inglesa, que parecia ter saído do velho mundo para roubar-lhe a paz.
Os dois ficaram assim, falando de toda a mágoa que até então se encontrava calada, em plena intimidade, até o dia amanhecer e os primeiro raios de sol irem encontrar seus corpos jogados no tapete da sala, pela porta da varanda.






sexta-feira, 3 de junho de 2011

Aniversariando

Amo fazer aniversário. Quando era criança, adorava pensar que ficava mais velha. Hoje não. Hoje saber-me mais velha não me parece nem bom nem ruim, mas simplesmente inevitável, é a poesia da vida, não contesto. Hoje gosto de fazer aniversário porque sinto que o dia é meu, e porque preciso tanto desse meu dia, pra ser ninada e mimada, pra fazer manha.
E daí que dia 3 de junho é pra mim sempre eufórico, e ao mesmo tempo triste. Não de uma tristeza plenamente triste, mas de uma tristeza de olhos sorrindo, cheios de saudade.
É porque uma parte de mim sempre se despede, se despede de tudo o que foi, sempre se assusta com o quanto tudo muda rápido, e aí dá saudade do presente, dá medo de perder, medo de crescer, de mudar.
Me despeço dos meus 16 anos. Não sem tristezas, não sem arrependimentos, não sem um pouco de pesar por não ter dado mais de mim, por não ter vencido minha inércia em certas ocasiões, por ter perdido tempo, tempo de felicidade, tempo das pessoas. Mas ainda sim, muito orgulhosa, muito realizada, por estar onde estou, por estar forte e feliz, por ter conseguido cultivar e cuidar do amor em tanta gente bonita, por ter sobrevivido, por ter aprendido tanto, por sem quem eu sou, amar e sentir saudades.


sábado, 21 de maio de 2011

De sermos primeira pessoa do plural

Nota: este parágrafo é pedaço de um outro texto, e não se trata necessariamente de qualquer coisa verídica.

(...) Caíram nossas flores, depois nossas folhas, e agora somos como árvores nuas. Este outono nosso tem sua poesia, essa alegria nostálgica de uma sombra cheia de buracos, de brincar com o pontilhado não revelado entre os pedacinhos infinitos de uma verdade brilhante de sol.
Somos como aqueles pedacinhos óbvios de sol, nosso brilho é tão arroz com feijão que já tem gosto de todo dia. Ainda assim, em certas ocasiões nos damos conta da magia de existirmos exatamente como somos, em certos momentos o manto dourado do sol, a nos cobrir de luz e calor, germinando-nos de tudo quanto existe, torna-se aos nossos olhos vestido de um milagre particular. É quando nos reconhecemos, e é quando eu tomo fôlego para continuar o meu mergulho em direção à qualquer pedaço de verdade, de ser eu e de sermos nós, fixa como terra firme, para que possamos dar um último impulso e submergir de toda dúvida. (...)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Inveja Literária

Há algum tempo estou olhando para a tela branca, e sentindo pulsar em mim as palavras, sem conseguir concretizá-las.
Eu queria um texto que dissesse de tudo isso que tenho sentido, que contasse de todas as lágrimas que tenho derramado, e de todo aprendizado que, à trancos e barrancos, isso tem me trazido. Queria escrever qualquer coisa que pudesse falar de mim, e de tudo que eu gosto, e de como é bom, apesar de tudo, poder escutar o Caetano cantando Gil, e descobrir uma música nova do Chico.
Eu queria escrever uma conto que falasse bem sutilmente do mistério que é a vida, de como é sozinho existir, que falasse de toda a minha indecisão e dessas minhas discussões com Deus, assim como Clarice já me fez rir e chorar enquanto perdoava o Todo Poderoso.
Queria escrever uma crônica que fosse leve, e que pincelasse com humor negro (tão negro quando o humor daquele amigo dark do Caio Fernando de Abreu) a minha tristeza, e ao mesmo tempo, todo o amor por essa "poesia não vivida" que existe em mim, e que às vezes me invade em espasmos eufóricos, enquanto ouço Vinícius cantando manso aquele Rio que se perdeu.
Eu queria um texto que me desse clareza de todas essas coisas que eu não entendo, que me revelasse enfim a moral de tudo isso, que me ensinasse a trilhar o caminho (se é que há um caminho), e me deixasse ver onde vão dar todos esses sonhos, todas essas vontades, todos esses sentimentos, toda essa bossa nova e esse rock'n'roll.
Se me perguntassem, eu diria que gostaria de escrever um texto que emocionasse, que tocasse e colocasse dentro de quem lesse um pouco de mim, da minha verdade, e do que acredito. Que explicasse, por fim, de onde vem toda essa inquietação, esse desconforto diante de tudo que é instituído.
Eu queria escrever um texto que me abrigasse do ridículo, que rompesse os rótulos que andam comigo, que alongasse o tempo, que enganasse a morte.
Queria um texto que fosse casa e comida pro resto da vida, para não ter de enfrentar toda essa burocracia de viver, e gastar tempo com essas coisas supérfluas de sentir fome e sede, de ser perecível.
Eu queria escrever algo que fosse como as cartas da Clarice para o Fernando Sabino, ou as crônicas da Rachel de Queiroz. Eu queria a poesia do Drummond, e a delicadeza da Cecília, eu queria a ironia do Machado, e a sutileza do Quintana.
Mas o talento é pequeno e a poesia é pouca, e só me resta, antes do ponto final e do momento em que, pra vocês, eu me calo, preencher de sonhos todas essas lacunas.


quinta-feira, 28 de abril de 2011

Intransitivo?

A resposta ao amor que me falta
é amar muito mais.
amor inconstante, destrutivo, desvairado, descabido
amor que me faz caber pequena em seus braços
e que eu abrigo nos meus
como abrigo qualquer-coisa-rosa-cheia-de-espinhos
-vício de me fazer em pedaços

A resposta ao amor que me falta
sangrando nos dedos
cortados de rosa-necessariamente-vital-cortante
é amar
muito mais.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Traindo princípios (e fins)

...a mão trêmula acendeu um cigarro. andava cambaleando no meio da rua. não se preocupava com a morte: até a morte era lucro. nada fazia muito sentido. não era feliz e não era triste. nada fazia muito sentido mas não precisava fazer. a vida era somente como uma experiência: a única e derradeira. um rock pesado tocando na cabeça. nem bonito nem feio: vivo. os pensamentos e os sentimentos e as pulsões internas e o desejo de sair correndo com o vento nos cabelos rebeldes e compridos tantas vezes recriminados e a vontade de pichar os muros e de socar as paredes e de socar a cara dos transeuntes felizes e quebrar cada um dos seus sorrisos. quis correr e por isso saiu correndo. a opinião de outros fosse qual fosse não interessava. não era feliz e nem era triste. nada fazia sentido mas não precisava fazer...

domingo, 17 de abril de 2011

À minha flor de ir embora

Não consigo esquecer aquele dia, nós três na cozinha daquele apartamento que tanto gostamos, o cheiro da essência de maçã do narguilé que enchia o cômodo de fumaça, fumaça de felicidade.
E nós ríamos sem parar da sua cara de boba, "Porre de vinho é foda, minha nega".
Rimos, e rimos, e rimos, pra depois chorar.
Foda, minha flor, é não saber quando você vai ver de novo alguém que ama tanto.
Naquele dia nos prometemos que fosse qual fosse a circunstância, a distância, o tempo, ninguém jamais nos separaria, porque éramos irmãs, e amor de irmã cobre esses malditos mil quilômetros.
As lembranças que tenho contigo, desde que éramos muito crianças, são as melhores. Seja enterrando-nos na areia da praia e morrendo de rir de nós mesmas "à milanesa", ou transformando em carros as caixas de leite, que arrastávamos pela casa, ou então, mais recentemente, passando madrugadas no mirante, enroladas em cobertores, à olhar as estrelas.
Eu alcancei com vocês as estrelas, eu descobri a cura para a minha solidão, eu aprendi a ser inteiramente feliz.
Nenhuma tarde jamais vai bater as nossas tardes embriagadas em frente o mar, cantando de baixo de chuva: "joga pedra na Geni! joga pedra na Geni! ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir, ela dá pra qualquer um, maldita Geni!", rodando, rodando, rodando, até não aguentar mais e cair.
E assim, minha Gi, quando sinto que não tenho mais nada, quando tudo é incerto demais, quando o chão me falta, quando não me sobra ninguém, me reporto aos nossos momentos, nós duas numa rede cantando Janis Joplin: "And baby deep down in your heart I guess you know that it ain’t right, never, never, never, never, never, never, never, never, never, never...", você se lembra de como era fácil morrer de rir?
Sentíamos que podíamos ser o que quiséssemos, podíamos ser o melhor de tudo que existe.




segunda-feira, 11 de abril de 2011

Queda livre

Ficava perplexo com o quanto um olhar podia dizer.
Ou com o quanto gostaria que dissesse.
Tiveram tantas conversas em silêncio, disseram tantas coisas nos pontos entre suas conversas casuais, e alimentaram sem querer a catástrofe de sentir o que convertera-se em segredo doído.
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Era o abismo, era o fim. Mas por que é que a vontade maior era de ouvir enfim o baque seco dos corpos batendo no chão, lá na beira do precipício?
Ela fechava os olhos e sentia bater nos cabelos o vento da queda, impregnado do perfume que não saía da memória.
Cair. Cair, cair, cair, cair.
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Reflexo de luz em espelho partido.
No segundo seguinte já se tinham perdido.




segunda-feira, 4 de abril de 2011

De estar viva

Por tanto amor
Por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu caçador de mim

A vida podia ser mais exata.
Já disse Fernando Pessoa que viver não é preciso. E ele não falava de necessidade, falava de precisão.
Mas se me perdoam a petulância, descobri uma das leis que regem o universo: há que se arrumar o que está dentro, toda a realidade externa é um reflexo disso.
Não sei bem como acontece, mas em um momento, tudo fica claro, límpido. A tristeza sempre está lá, no cantinho do armário (the skeleton), mas já não há medo, já não há mágoa, já não há tempo, tudo o que eu faço é fruto da minha vontade, porque minha vida está nas minhas mãos, porque eu sou completamente livre, ao menos nesse instante fugaz.
Depois de chorar rios, a alma seca. E com a sequidão vem a serenidade. E a solidão prega no fundo dos olhos, e ainda assim, tudo se faz em tranquilidade. Marasmo de ser uma, somente uma, somente minha.
Sim, pois não sou de ninguém e jamais serei. Meu coração me pertence. Minha força vem de algum lugar nativo recentemente descoberto, e permitido somente à mim.
Tanto me negaram, que aprendi a dizer-me sim. Aprendi a respeitar-me pelo respeito que me faltou, aprendi a amar-me pelo amor que foi pouco, aprendi a acarinhar-me, a colocar a mim mesma nos braços e cuidar-me com a ternura que já não posso dedicar à ninguém, pelo colo que não tive.
Não, meu segredo não está descoberto. Há quem pense tê-lo adentrado. Não, meu segredo é minha essência, meu segredo é só meu.
A tristeza por trás do sorriso é o que ninguém vê. E é o que faz com que eu mereça esse nome e essa cara.
...
Caminhei, caminhei, caminhei, até que as pernas implorassem por descanso, e aí caminhei mais um pouco. No deserto de mim, enfrentei tempestades em silêncio. E colhi minha rosa única. Briguei com Deus, e as feridas dessa batalha estão muito expostas.
Encerro, enfim, esta vida de andarilha da verdade e da fantasia, que são uma só.
Descobri que o surto é tão real quanto a sanidade.
E a embriaguez me deixa infinitamente mais atenta.
Vivo.
Digo e calo, sei e não sei, invento e falo a verdade, minto, sou e não sou, paradoxalmente: vivo.
Não explico: vivo.


sábado, 2 de abril de 2011

Tênis vermelho, morangos e lágrimas açucaradas

Estava deitada na cama, olhando o teto, e já tinha decorado o número exato de rachaduras e manchas causadas pela infiltração. Refletia agora sobre a velharia que era aquela casa, que outrora já fora cheia de vida, e hoje não passada de uma senhora mofada, assim como ela mesma, largada naquela cama, refletindo sobre as infiltrações do teto.
Foi mais ou menos aí que teve a idéia de levar seus tênis vermelhos novos para passear. Colocou os óculos de armação amarela, enfiou as mãos nos bolsos e saiu (não sem antes esquecer a janela e a porta abertas: já fazia parte da rotina).
Durante o percurso recebeu o "bom dia" do florista, da moça do sacolão, do velhinho sem uma perna e da mulher da quitandaria, que fazia uma rosca digna de qualquer avó. Retribuiu com um imenso sorriso, o que, segundos depois, a fez pensar que o tédio estava estragando sua alma. Desde quando era assim amável?
Tateou os bolsos em busca das chaves, que não estavam lá, obviamente.
Bateu com força na própria testa, soltou alguns palavrões e no resto do percurso sem destino ficou imaginando as cenas mais mirabolantes envolvendo um ladrão que entrava em sua casa, nas quais o final poderia ser: ela terminava morta e vinha assombrar o dito cujo, ou ele terminava morto, ela ia presa e fugia da penitenciária através de um túnel cavado com uma colher furtada do refeitório, que ia dar no Japão.
Riu deste último pensamento e anotou na mão com a caneta que ficava sempre no bolso interno do casaco: "escrever as bobagens que imagino".
Não andou nem mais dez passos e avistou o caminhão de morangos. Estava barato. - Minha nossa! - era época de morangos, ela havia esquecido. Como pôde?
Culpou seu espírito de velha, que já estava afetando seus miolos. Não duvidava nada que um dia ele fosse causar sua morte precoce, aos 27 anos, assim como Kurt Cobain e Janis Joplin (e sinceramente, não se importava, não via utilidade nenhuma em viver demais).
No caminho de volta recebeu os sorrisos do florista, da moça do sacolão, do velhinho sem perna e da mulher da quitandaria, mas não retribuiu nenhum. Logo iam pensar que ela era simpática.
Na porta de casa, lembrou-se de pegar um pedaço de madeira no quintal. Ergueu-o próximo ao rosto, abriu cuidadosamente a porta e entrou pé ante pé, até se certificar de que não havia mesmo ninguém. Assim que teve certeza, jogou o bastão improvisado novamente no gramado e se dirigiu à cozinha, onde abriu e lavou os morangos.
Sentou-se na sala ao lado de um pote de açúcar. Enfiou o primeiro morango inteiro lá dentro, até retirá-lo completamente coberto, a ponto de deixar suas bochechas doces ao mordê-lo.
Enquanto mastigava fechou os olhos, saboreando sua sobremesa preferida. Uma lágrima rolou pelo seu rosto açucarado, caindo doce do sofá.
"Boba", pensou. Tinha acreditado que o morango na boca faria com que fosse mais fácil esquecer sua companheira mais fiel: a solidão.
Enxugou as lágrimas, jogou os tênis num canto, sacou a caneta do casaco e anotou no pulso: "nunca mais comer morangos".


sexta-feira, 25 de março de 2011

Entorpecida

- Alô. Oi. Sou eu. Você sabe quem é, você tem que saber.Tantas palavras de amor sussurradas no teu ouvido, você não pode ter simplesmente esquecido o som da minha voz. Você ainda se lembra? Diz que se lembra? Sabe, talvez você não me queira mais, mas, por favor, não me esquece. Guarda, pelo menos, o som das nossas risadas, nossas noites, os pedaços de mim que eu arranquei com as unhas e te entreguei. O que? Não, eu não bebi. Não, já disse, não mesmo. Ok, só um pouco. É que a bebida confunde momentaneamente meus sentidos, e eu chego a acreditar, na embriaguez, que existe uma forma de ser diferente. É como se eu, de repente, não tivesse que cometer sempre os mesmos erros, é como se eu magicamente tivesse coragem para enfrentar o mundo, num segundo eu não estou mais sozinha, e às vezes até imagino que não te perdi. Sabe... Sozinha eu sempre fui, você mesmo dizia que eu era daquelas pessoas que carregam a solidão nos olhos, mas pelo menos minha solidão era compartilhada, e eu podia me enganar às vezes. Agora não. É solidão física, solidão concreta. E eu estou tão dentro de mim, tão em contato comigo mesma, que a faca da solidão está me fazendo em pedaços. Sabe o que é pior? É que são golpes lentos e gradativos de uma faca cega. Eu acho que vou surtar. Não, não é brincadeira. Eu já não durmo, eu já não como, eu não consigo escrever mais. Estou vivendo no piloto automático, sabe como é? Estou ouvindo aquela música do Pink Floyd incessantemente, do "The Wall" que você me deu, sabe quando o Waters canta assim "I have become comfortably numb"? É isso. Me diz, quem pintou a vida de cinza? Sabe... Você me disse pra eu ser feliz, pra procurar outra pessoa. Mas não dá pra não amar você e só você, não dá pra esquecer as nossas noites eternas, depois de toda a nossa heresia, tantos segredos compartilhados, tanta vida dividida, tantos sonhos sonhados juntos, tantas beijos salgados de lágrimas, os dias em que nos despíamos desesperados, como se o nosso corpo precisasse estar junto, como se o teu corpo e o meu corpo fossem o alívio pra toda a dor. Não dá pra simplesmente esquecer. Como você ousa pedir que eu me esqueça? Acho que você sabia disso desde o começo. Do que? Você sabia que eu jamais te esqueceria. Não, por favor, não desliga. Eu prometo que não falo mais disso. O que? Se eu estou usando algo mais forte? Não, hoje não. O que? De vez em quando. Eu sei, eu sei, essa coisa que a gente conversava, de auto-destruição e não sei o que. Mas não é só isso. É que tá tudo vazio, sabe? Tá vazio demais. "Um vazio se faz em meu peito, e de fato eu sinto em meu peito um vazio". Lembra como você tocava lindo essa música no violão? Você ainda toca Cartola? Eu? Parei de dançar. Ah, porque já não tem sentido. Eu expressava o que tinha dentro de mim, mas não tem mais nada... Não é pessimismo. Não, não é. Eu não sei explicar o que é. Repete. Ah, tenho cuidado dela sim, tá toda florida. Mesmo. Acho que é a única parte da casa, de mim, que ainda concentra um pouco de cuidado e atenção. Sabe por que eu cuidei da tua roseira? Porque ela é um pedaço de você. E eu tenho cultuado cada pedaço de você nessa casa, como uma maníaca, uma obsessiva, uma louca desvairada... No fim, a conclusão que eu tiro disso tudo é que o amor só infertilizou meu ser, meu coração, meus pensamentos, minhas idéias. O que? Não, eu não estou dizendo que a culpa é sua. É só que eu estava olhando aqui da janela a enxurrada, a água descia com extrema violência e ia levando tudo pelo caminho. Passou uma pela minha vida. Não, não foi você. Foi a crueldade de perceber de repente a realidade, de olhar-me no espelho e dar-me conta do ser deplorável que eu sou. Perder você foi só mais uma prova da minha incompetência. Eu nasci errado... O que? Pra onde? Não, por favor, eu imploro, não desliga. Eu sei. Eu entendo. Não, não entendo. Não me deixa aqui sozinha, eu estou com muito medo de mim. Não vai. Por favor? Você tá aí? Você tá aí? Alô?

segunda-feira, 21 de março de 2011

O mofo

*Esse texto é do primeiro semestre de 2010, encontrei no meio de uns papéis velhos (de quando eu ainda escrevia todos os textos manuscritos).

"Eu não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando sem táxi naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, roxas olheiras (...), e tudo que eu andava eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era." - Caio Fernando de Abreu; do conto "Além do Ponto": Morangos Mofados.

São 6:16 da manhã, já amanheceu, estou sentada no escritório. Cercam-me os livros queridos, e assim sozinha, enxergo muito mais minha casa do que a tenho sentido nos dias sóbrios.
São 6 e alguma coisa da manhã, e meu estômago está embrulhando. A vontade é de voltar àquela sensação de alegria vacilante, que me preenche o vazio, que hoje transparece por detrás de mim mesma.
São 6 e pouco da manhã, domingo, eu estou escrevendo, os passarinhos estão cantando, e na rua o mundo parece parado. Dentro de mim, a sensação de continuar andando contra a vontade das pernas, sem querer, poder ou conseguir.
A memória como fragmentos, me vem em relances, colapsos, pedaços em cápsulas, como pílulas que não me dizem nada.
A lembrança clara é de inconstâncias muito mais distantes, de dias desenfreados, que terminariam mais ou menos do mesmo jeito, com a exceção fundamental de que eu não estaria sozinha.
Meu (da biblioteca) "Morangos Mofados" não me restituiu o sono andarilho: deito-me agora ou permaneço acordada até as 9 da manhã num sinal de luto àqueles dias?
Nada me restituirá as grades que prendiam este bicho que hoje está solto, onde achava que via à mim mesma , mas era apenas um reflexo.
Por onde anda aquele ser?
Perdido, olha-me desconsolado, grita, numa voz estridente e muda: "O que aconteceu com você?!?"
Me aconteceu a vida, o tão incompreensível buraco no peito daqueles que pensam demais, que desconfiam e amam demais. Aconteceu-me o medo de morrer sem ter vivido nada.
Aconteceu-me a ânsia faminta da liberdade.


segunda-feira, 14 de março de 2011

Meus grandes

Minha experiência cinematográfica é muito mais ínfima do que eu gostaria que fosse.
De uma certa forma, acho que ainda que eu veja milhões de filmes e chegue a ter um entendimento razoável da arte do cinema - que atualmente não tenho -, sempre vão existir outros tantos milhões a serem vistos.
A impressão que fica pra mim a cada filme novo que assisto é a da minha enorme ignorância, fica claro o quanto tenho que aprender antes de conseguir entender pelo menos uma parte considerável das complexidades mais sutis por trás de qualquer filme.
Ainda assim, hoje me arrisco a fazer uma lista dos meus dez preferidos. Quando me propus a selecionar esses dez, não imaginava o quanto seria difícil escolher somente estes, quantos eu deixaria de fora com um pesar imenso.
Aviso previamente que esses dez não são necessariamente os melhores filmes que já vi, mas que são os que, no geral, mais mexeram comigo, mais me marcaram de formas diferentes.
Nenhum comentário abaixo tem muito de técnico, a maioria deles vêm de impressões, sentimentos, empatia com personagens, o meu laço afetivo com os filmes em questão.
Vão aí, meus grandes:

* O Silêncio dos Inocentes

Esse filme, por alguma razão, exerce uma fascinação incrível sobre mim, já o assisti incontáveis vezes.
Mais que o suspense tremendamente bem construído, e o final que quase não me deixa respirar de tanta tensão, marca a incrível atuação de Anthony Hopkins, no papel de Hannibal Lecter, o psicopata canibal mais interessante e charmoso de todos os tempos.
Não dá pra esquecer também sua química inigualável com Jodie Foster, que representa uma policial recém formada e que entrevista o psicopata para que ele, com sua excepcional inteligência, a ajude a desvendar um caso e pegar um assassino.
É incrivelmente perturbador o primeiro contato que temos com Hannibal, ao contrário dos outros loucos do local onde ele está preso, ele se mostra extremamente calmo, limpo, e com um sorriso que dá muito mais medo que qualquer cara de mau.
A atuação dos dois é impressionante, Jodie construiu para a personagem um sotaque bem acentuado do interior do Estados Unidos com uma perfeição incrível, e uma das melhores cenas do filme é a que ele imita seu sotaque em meio a um dos tantos diálogos geniais que os dois travam, sem que isto estivesse previsto no roteiro, o que deixou, mais que a personagem, a atriz irritadíssima.
O tempo todo eles jogam jogos psicológicos, e ao mesmo tempo que ele parece saber exatamente o que fazer para controlá-la, também parece se envolver com ela.
O resultado é esse filme incrível.

*Tomates Verdes Fritos

O filme começa com o encontro de Evelyn, uma dona de casa de meia-idade, frustrada, infeliz, com baixa auto-estima e acima do peso, com a velha Ninny, num abrigo de idosos.
Ninny conta a Evelyn a história de Ruth e sua amizade com Idgie: uma mulher livre e contestadora, para os padrões patriarcais da época, que acabou ensinando à Ruth, com sua amizade inabalável, um jeito de ser feliz. (Fica subentendida uma relação lésbica entre as duas).
Durante a história, Evelyn também vai aprendendo a gostar mais de si mesma, o que começa a mudar sua vida.
O filme conta basicamente a vida dessas quatro (que na verdade são três) mulheres, lutando por sua liberdade e pela parte da felicidade que lhes cabe em meio à uma sociedade cheia de discriminações, experimentando o amor e a doçura da vida, apesar das dificuldades, tudo isso contado de uma forma tão sensível que eu provavelmente não conseguiria explicar.

*Os sonhadores


Um dos meus filmes preferidos dentre os dez que selecionei, e talvez o mais, em si mesmo, sedutor.
Desde a beleza dos três personagens principais, até as cenas, remontando clássicos do cinema, tudo nele me atrai.
O filme conta a história de três jovens, cinéfilos, e apaixonados, em todos os sentidos. Eles são irreverentes, revolucionários, idealistas.
Theo e Isabelle são irmãos, gêmeos, a acabam atraindo Matthew, um americano arrumadinho, para sua aventura.
A trilha sonora é totalmente sensacional, composta por músicas de Janis Joplin, Jimi Hendrix, The Doors, Bob Dylan.
A relação sexual entre os três vai se desenvolvendo no decorrer do filme, principalmente através de um jogo inventado por eles, em que um deles deve representar, de repente, em um momento inusitado, uma cena de um filme aleatório, e um outro escolhido deve adivinhá-la. Se isso não acontece, a pessoa que errou o filme deve cumprir uma espécie de conseqüência, sempre muito mirabolante e excêntrica.
Apesar de tudo, o filme não deixa de ser um hino ao cinema e à juventude, e é impossível não sair dele completamente apaixonada pelos três personagens principais.

*Breakfast at Tiffany's



Tenho um verdadeiro caso de amor com esse filme.
Primeiro porque amo a Audrey Hepburn: a mulher mais linda que já passou pela Terra.
Notável a parceria incrível Audrey-Givenchy, e portanto, as roupas lindíssimas que ela veste durante o filme.
Tão linda quanto ela é a personagem Holly Golightly, uma das personagens mais adoráveis de todos os tempos, uma charmosa e discreta garota de programa, que no fundo é extremamente romântica, e espera seu príncipe encantado, o homem que lhe fará querer montar uma vida, mobiliar o apartamento e dar nome ao gato.
Holly é muito interessante por ser muito ambígua: ao mesmo tempo que ela parece demonstrar certa malícia, também se mostra extremamente ingênua.
Não costumo gostar de finais felizes, mas minha simpatia personagem é tão imensa, que não ficaria satisfeita com um final diferente.
Além de tudo isso, a música do filme é lindíssima (Moon River), e me deixa emocionada desde a primeira cena.

*Pulp Fiction


Pra mim, Pulp Fiction é a obra prima do Tarantino.
Como todo filme desse diretor (que eu simplesmente amo), é todo carregado de violência e humor negro.
O Pulp Fiction em especial tem uma coisa com o tempo muito bacana, porque o roteiro não é linear, a história é dividida em "quadros" que não necessariamente estão na ordem temporal, de forma que, às vezes os personagens aparecem com roupas engraçadas ou tomando determinadas atitudes que só são explicadas depois.
O filme tem umas cenas geniais, como a overdose da Mia Wallace (Uma Thurman), esposa de um dos chefões da "máfia".
Seu marido viaja e a deixa com um de seus "capangas": Vincent Vega (John Travolta, que aliás, está ótimo no filme: um brutamontes com um cabelo nos ombros, engraçadíssimo).
Enquanto Vincent entra no banheiro pra tentar se convencer a não dormir com a esposa do patrão (o que faria dele um homem morto), Mia põe pra tocar "Girl, You'll be a woman soon" na sala. Enquanto dança, acaba achando um saquinho de heroína no bolso do casaco do acompanhante, que ela cheira pensando ser cocaína.
Quando Vincent adentra a sala, Mia está tendo uma overdose.
Não sabendo o que fazer, ele a leva para a casa do traficante, um completo loser, que também não tem a mínima idéia de como proceder.
Não sei o que é que me faz gostar tanto do filme, ás vezes fico pensando se cenas como essa, ou como a de dois bandidos explodindo sem querer a cabeça de um cara inocente (outra seqüência incrível) não disparam alguns desejos reprimidos em quem assiste.
Bom, essa parte deixo para a psicanálise, eu sei que o filme é divertidíssimo e genial.

*Os Famosos e os Duendes da Morte

Esse é um filme brasileiro, gaúcho, e que me surpreendeu muito.
O filme é poesia pura, traz umas discussões bacanas sobre a tristeza, a morte, tem uma trilha sonora linda, a fotografia incrível (um dos pontos fortes do filme).
A história se passa em uma cidadezinha do Sul, com um alto índice de suicídios. O personagem principal é um menino, que não tem nome e se apresenta com o apelido que usa na internet: "Mr. Tambourine Man" (o título de uma música linda do Bob Dylan).
Ele trava uma relação estranha com um casal que postava vários vídeos em seu blog, e o tempo todo a história do menino é intercalada pelos tais vídeos. Os vídeos são muito táteis e visuais, parecem tratar de experimentações sensoriais dos dois, de uma forma muito poética (só vendo mesmo pra entender).
Fica, pra mim, a sensação de estar preso àquela cidade, àquela vida que é a mesma há gerações, àquele lugar que parece que parou no tempo. A ponte, metáfora do suicídio, acaba se apresentando como única fuga possível. ("Naquela cidade, cada um sonhava em segredo").
Não vou contar o segredo do filme.
Vale ressaltar que ele possui frases lindíssimas.
"Infância: nossas bocas sorrindo até o fim.
Como o que ficou pra trás, como o que nunca mais será redescoberto, como o que nunca voltará a ser três."
"Estar perto não é físico."

*O Fabuloso Destino de Amelie Poulain


O Fabuloso Destino de Amelie Poulain é, pra mim, o que se pode chamar de um filme impecável.
Desde a trilha sonora (do amado Yann Tiersen), a atuação incrível de Audrey Tautou, o roteiro poético, a narração incrível, até a fotografia, trabalhada principalmente nos tons de vermelho e verde, todos os detalhes são perfeitos.
O filme tem gosto de torta de maçã e cheiro de café da tarde.
É simplesmente uma das abordagens da vida mais sensíveis que já vi.
Amelie é uma personagem muito interessante, dá pra ver nela uma espécie de olhar infantil que parece enxergar tudo de uma forma mais simples, muito mais presa às essências, e ao mesmo tempo, tem uma dificuldade afetiva imensa, até para se comunicar.
O que fica evidenciado até mesmo no fato de a atriz possuir pouquíssimas falas ao longo do filme.
Amelie é extremamente solitária e totalmente adorável, e a minha vontade, durante o filme, é de colocá-la no colo.
Inesquecível a forma delicada como ela consegue melhorar a vida de todas as pessoas à sua volta com atitudes simples, mas não consegue fazer a si mesma feliz.

*As Virgens Suicidas

Dos filmes citados, esse foi o que vi mais recentemente, e entrou de cara para os meus preferidos.
Não sei bem porque... O olhar da Sofia Coppola é simplesmente genial, e a delicadeza com a qual ela representa o universo feminino, é notável.
O filme conta a história de cinco meninas lindas, criadas por pais repressores, e que procuram, no seu mundo particular, fugas para a tristeza do seu cotidiano vazio.
A obra me chamou a atenção desde o seu primeiro diálogo, entre um médico e a irmã mais nova, a primeira a tentar suicídio. Frente à sua tentativa frustrada, no hospital, o médico lhe pergunta o que ela faria ali, se não tinha nem idade para saber o quanto a vida era ruim. A resposta de Cecília é a seguinte: "obviamente, Doutor, você nunca foi uma garota de 13 anos."
O grande trunfo do filme, na minha visão, é o fato de a história ser contada através da ótica dos garotos daquela rua, totalmente encantados pela beleza das meninas.
Além disso, chama atenção a personagem de Kirsten Dunst, a mais irreverente das irmãs, apaixonadas por rock, e absolutamente deslumbrante.

* O casamento do meu melhor amigo


Essa é uma típica comédia romântica. Ok, não vou ser injusta, não como essas comédias românticas atuais horríveis , mas ainda assim, não deixa de ser bem água com açúcar.
E é um dos meus filmes preferidos no mundo porque me faz rir, e chorar e suspirar, não sei quantas tardes passei assistindo este filme, não sei quantas lágrimas e quantos sorrisos posso atribuir a ele.
A história é basicamente o seguinte: um homem e uma mulher são melhores amigos há anos, já passaram várias noites juntos sem, no entanto, nunca terem sido mais que amigos (ainda que ele sempre tivesse sido apaixonado por ela).
E então, um belo dia ele liga para ela, contando que vai se casar. Como era de se esperar, ela se desespera e percebe que sempre o havia amado (bem previsível), e começa a arquitetar planos para acabar com o casamento dele com a tal moça (Cameron Diaz), aparentemente bobinha, riquinha e mimada.
Acreditem, o filme é absolutamente adorável, divertido e doce.
Além disso, Julia Roberts está linda, Cameron Diaz está engraçadíssima (uma das melhores cenas do filme é a que ela canta horrivelmente "I just don't know what to do with myself" num karaokê), e se nada disso contasse, o filme valeria por essa cena que postei, uma das cenas mais queridas que já vi, Michael (Dermot Mulroney) cantando e dançando com Julianne (Julia Roberts) a música dos dois (pela qual sou apaixonada): "The way you look tonight".
Em outras palavras, sou romântica.

* Cinema Paradiso


Uma das maiores e mais lindas homenagens ao cinema.
O filme começa com Salvatore recebendo a notícia da morte de Alfredo. As lembranças dele então nos levam à história de sua infância, quando ele era Totó, um menininho ensinado por Alfredo, o projecionista de uma cidadezinha na Itália, a amar o cinema.
Enquanto Alfredo cortava dos filmes as cenas de beijo censuradas pela igreja, os dois se encantavam com a beleza desta arte. Salvatore vai embora, adolescente, por conta de um amor que não deu certo, e nunca mais volta á sua cidade.
O cinema paradiso, onde os dois assistiam os filmes, acaba destruído para que se construa um estacionamento em seu lugar.
Mais que tudo, o filme fala do cinema antigo, do valor que ele tinha, e a metáfora do prédio destruído, na minha visão, tem uma super relação com a comercialização do cinema, que na grande maioria das vezes, já não tem a função de encantar, de reportar as pessoas à poesia de outras vidas, já não existe como forma de arte, mas muito mais como uma indústria.
Deixo a cena final, lindíssima, uma edição de todas as cenas de beijo censuradas e guardadas por Alfredo.

* Edward Mãos de Tesoura


Minha história com o Edward vai um pouco além da sensibilidade do filme, a obscuridade doce do Tim Burton e a atuação incrível de Johnny Depp, ao lado de uma Winona Ryder menina, quase irreconhecível.
Quando eu era criança via muito esse filme, e me identificava muito. Não sei bem porque, acho que por um lado, todo mundo se sente um pouco Edward, diferente das outras pessoas, ansiando frustradamente por ser igual.
Johnny Depp é Edward, um ser humano criado por um cientista e que nunca foi acabado, pois seu criador (pai) morre antes de terminá-lo, e por isso lhe faltam as mãos: em seu lugar ele possui um punhado de tesouras. Edward nunca conviveu com pessoas, e por isso, ao ser acolhido por uma simpática dona de casa, não sabe bem como se comportar e acaba se metendo em uma série de confusões.
Além disso, se apaixona pela filha da moça que o acolheu (Winona Ryder), amor que não se realiza devido ás injustiças cometidas pelas pessoas da cidade, que acabam considerando-no uma aberração.
Edward sempre viveu sozinho, e acaba sozinho, e talvez na solidão dele eu me visse um pouco.
O filme é muito triste, mas não deixa de ser muito sensível, lindo e poético.
Deixo aí uma das cenas mais bonitas de todos os tempos.

Obs: se forem contar, verão que no total são onze filmes, e não dez. É que não consegui deixar nenhum destes de fora.

Deixei de fora com o coração na mão:
Tudo sobre minha mãe, Casablanca, Garota interrompida, O Iluminado, Laranja mecânica, Donnie Darko e Beleza Americana.

Gostaria muito de saber um pouco de quais filmes marcaram vocês. Indico então esta listinha dos dez preferidos pra Anna, pro Victor, e pra Nina.


sábado, 12 de março de 2011

Fugaz

Um menino no corpo de um homem. Tanta tristeza escondida por trás da sua risada mais verdadeira. Beleza tão natural. Alma destemida, embora cheia de medos. Você tem tanto pra mostrar, mas sempre deixa alguma parte subentendida. Ninguém sabe o seu mistério, jamais adentraram o seu segredo, e essa é a questão. Idealizar-te é muito fácil. Como não desejar-te? Quero-te por uma noite eterna, provar-te, ouvir os teus segredos, contar os meus. Depois pego minhas coisas e vou embora.


domingo, 6 de março de 2011

Atestado da minha chatice

Larissa me passou esse questionário super bacana, fui dar uma lida e, ao tentar responder as tais perguntas, acabei reparando no quanto sou clichê. Prometo me esforçar para que as respostas não sejam entediantes demais - embora o questionário seja ótimo. Ou melhor, não prometo nada, se não gostarem, vão procurar em outro canto o que os agrade, meus caríssimos e tão queridos leitores. Sem mais enrolação, vá lá:

1 - Qual é para você o cúmulo da miséria?
Superficialidade. Não que não exista nada pior, mas acho que quem cultua o superficial é miserável, pois seu maior bem é perecível. Pra mim, o que vale de verdade é o que ninguém tira, o que é intrínseco. A beleza é um bem tão caro e que dura tão pouco... Não é que eu não me importe, ou que seja totalmente indiferente aos padrões impostos: a beleza externa existe e é importante, admito, só acho que existe muito mais beleza além desta óbvia.

2 - Onde gostaria de viver?
Normalmente eu me entregaria ao clichê e diria Paris, porque sempre sonhei com a capital francesa, paixão que foi intensificada depois de assistir "Paris, Je T'aime", um conjunto de curtas muito bacanas que se passam na cidade e evidenciam toda a sua beleza. Mas, em homenagem à fase que vivo agora, vou dizer que, neste momento, gostaria de morar em São Paulo, porque gostaria muito de cursar jornalismo lá, no fim deste ano.

3 - Qual o seu ideal de felicidade terrestre?
Estou ficando óbvia: meu ideal de felicidade terrestre são momentos lindos perto das pessoas que eu amo, dias alaranjados, inusitados, crises de riso por bobagens, um filme bom, uma noite incrível ao lado de quem gosto, um desses momentos em que a gente sente que pode se estender até o infinito só por tudo ser como é. Talvez pareça um ideal de felicidade "pequeno". Não pra quem, como eu, considera que a felicidade são momentos...

4 - Quais as faltas que merecem sua indulgência?
No geral, acho que as bem intencionadas ou aquelas cometidas por se amar demais. Na verdade, depende bastante do contexto.

5 e 6 - Qualidade que prefere no homem e na mulher
Alterei um pouquinho o questionário e juntei as duas perguntas porque as qualidades que gosto no homem e na mulher são as mesmas: no geral, gosto de pessoas habitadas.
Martha Medeiros explica: "pessoas habitadas são aquelas possuídas, de fato, por si mesmas, em diversas versões. Os habitados estão preenchidos de indagações, angústias, incertezas, mas não são menos felizes por causa disso. Não transformam suas “inadequações” em doença, mas em força e curiosidade. Não recuam diante de encruzilhadas, não se amedrontam com transgressões, não adotam as opiniões dos outros para facilitar o diálogo. São pessoas que surpreendem com um gesto ou uma fala fora do script, sem nenhuma disposição para serem bonecos de ventríloquos. Ao contrário, encantam pela verdade pessoal que defendem. Além disso, mantêm com a solidão uma relação mais do que cordial."

7 - Por qual personagem da literatura se apaixonaria?
Engraçado que é um personagem secundário, mas totalmente adorável: Miguel, de "A sombra do vento".

8 - Qual o seu palavrão preferido?
Filho da puta. Enche a boca na hora de falar.

9 - Qual seria para você a maior desgraça?
Perder as pessoas que eu amo, bem usual dizer isso, mas eu simplesmente não consigo imaginar nada pior.

10 - Como gostaria de morrer?
Mario Quintana define perfeitamente:
"A morte bem que podia ser assim:
Um céu que pouco a pouco anoitecesse,
E a gente nem soubesse que era o fim".

A casa é de vocês: Não repasso para ninguém em especial, mas deixo aí para quem se interessar e quiser responder, à vontade!

sexta-feira, 4 de março de 2011

Letreiros neon

Lembro-me bem dela entrando afobada porta à dentro, falando-me das mil luzes da cidade, que deslumbravam-na como tudo que é novo para dois olhos curiosos - aquele ar de menina deslumbrada talvez fosse o que mais me encantava.
Ou talvez fosse a sombra escondida por trás desse disfarce, sombra essa que só aparecia em raros momentos, dependendo muito da inclinação dos raios de sol, quando, em um instante fugaz, eu enxergava perfeitamente a mulher selvagem que se escondia por trás daquelas pupilas.
Ávida de tudo, ela comia as novidades, e eu, temeroso de uma criaturinha tão pequena a andar - quase dançar- distraída pelas calçadas da metrópole, alertava que isso aqui é uma selva de pedra, e que se num momento as vitrines pareciam refletir somente a beleza daquela vida que, seduzindo, se vendia, no outro tornavam-se em buraco negro, vazio de tudo, um vão existencial que suga quem se distrai.
A essas palavras ela reagia de forma peculiar: com olhos de criança assustada suspirava de aflição. Mas logo a imagem se distorcia em sua mente, e então, como ilustrações de um livro infantil, eu via minha advertência transformar-se em figura literal, e depois em piada.
E ela ria, eu tomava suas mãos entre as minhas enquanto, entre sorrisos, chamava-me de bobo, e quanto mais lhe implorava que não fosse, que não saísse assim, que olhasse pra mim, me levasse a sério, mais ela ria, e ria, e ria, e ria, até que uma lágrima lhe rolasse pela bochecha rosada.
Naqueles olhos mareados de ingenuidade, eu via, ao contrário, a cobiça de quem a via passar por trás das vitrines, brincando, testando os próprios limites, que ela ainda não conhecia bem, desfilando entre as luzes do seu mundo imaginário, muito pouco atenta aos perigos da realidade.
Em meio aos anúncios neon, o tempo dela se desmembrava, e, sem perceber, expunha-se como obra de arte, ou, mais exatamente, como produto absolutamente sedutor, caro demais para quaisquer olhos que não quisessem acabar perdidos.
E eu, muito mais perdido naqueles olhos de vitrine do que gostaria de admitir, a observava de longe, sem jamais ousar me aproximar, vigiava insone seus sonhos de menina-mulher.

Passas sem ver teu vigia, catando a poesia que entornas no chão.


quarta-feira, 2 de março de 2011

Da corrupção.

Enquanto estudava Revolução Russa, algo ficou muito claro na minha cabeça: a idéia do socialismo era inviável tal como foi pensada porque Marx considerou possível o que na minha opinião não é: a mobilização política da classe operária.
Durante a revolução houve sim participação popular, mas em momento algum essa classe liderou a revolução como havia sido teoricamente proposto, e, de fato, isso jamais poderia acontecer, uma vez que a classe operária simplesmente não tinha e ainda hoje não tem um nível de escolaridade suficiente para entender os pormenores da idéia revolucionária, bem como sua força e direitos.
O sistema é muito bem pensado para que seja assim: só quem compreende os absurdos da desigualdade social é quem não se interessa pela mudança do sistema. E assim, de forma articulosa, quem detém o poder, materializado na forma que for: terras, dinheiro, título de nobreza e (por que não?) conhecimento, permanece sempre no poder: muda-se o nome, jamais a cara.
Enquanto as revoluções forem feitas pela minoria intelectual privilegiada (ou seja, eu e vocês, meus caros), a tendência é que aconteça como na Rússia, o povo acabe liderado por um grupo que dirá representar o interesse comum mas, na prática, será somente parte de mais uma elite corrompida pelo poder.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Guerra Civil

*Nota: Se tratando de terceiro colegial, revezo dias bons e ruins, esse texto é resultado de um dia ruim...

Continuo um pouco por inércia.
Não sei bem o que tem me feito perder o sono, o que me faz levantar tantas vezes durante a noite, e andar de um lado para o outro: ansiedade que não passa.
Meus pensamentos tomaram um ritmo quase incontrolável. Não, não consigo dormir, se durmo tenho sonhos estranhos, cheios de imagens estranhas, assustadoras e absolutamente desconexas.
Nunca tive tanta vontade de ser criança, de poder me esconder no abraço do meu pai, que costumava me colocar no lugar.
A vida era simples, e eu tenho sentido tanta saudade da simplicidade.
Perdida entre todas as decisões que tenho que tomar, absorvida pelo que prometi que jamais me absorveria: o dever.
O dever suga a vida. Não estou sendo radical, com isso não quero propor nenhuma revolução: certa porção de dever é inevitável. Mas em determinadas medidas, o dever não permite viver o presente, pelo contrário, ele se cumpre na constante ilusão de futuro.
O futuro tem se tornado detestável. Se todas as minhas ideologias estão em pedaços, se tudo que eu acreditei agora me dizem ser o contrário, não consigo conciliar as forças dentro de mim, já não consigo diferenciar o que é ilusão do que é meta.
É mais que isso...
De repente eu já não sei gostar de nenhuma parte de mim, já não sei não ter vergonha de qualquer parte, me deixei podar por opiniões-alheias. Permiti-me cair no erro da eterna edição de mim mesma, que jamais é suficiente para consertar tudo o que me é apontado, tudo o que vejo.
Um pouco apática e ao mesmo tempo, tudo em mim tão cheio de intensidade, o amor, a raiva, a angústia, e toda mágoa, e qualquer desatenção é suficiente pra me partir ao meio.
Tanta desatenção: descobri que sustentar a máscara de qualquer sentimento é muito fácil, qualquer sorriso amarelo é suficiente pra quem quer acreditar.
Eu não sei o que eu esperava...
Não consigo fazer sentido, tanto quanto não consigo escrever. Me pergunto: sendo assim, o que quero ser?
O essencial foi destruído.
Me pego em mais uma madrugada solitária, com a diferença fundamental de que agora já não possuo nenhuma liberdade.
Um bichinho preso, é o que sou.
Como cheguei aqui?
Cativa até o último fio de cabelo, é como me encontro. E detesto, detesto a mediocridade do que me tornei.












sábado, 12 de fevereiro de 2011

Ainda me lembro, era domingo...

Às vezes sinto uma saudade estranha de momentos presentes, e aí sei que é porque vou sentir falta deles por muito tempo, como se eu já olhasse de longe, fecho os olhos e guardo a sensação que estou vivenciando em algum porão da memória, como se quisesse e pudesse tatuar em algum canto de mim.
Ninguém vê, ninguém compartilha, às vezes eu sei que pra outros olhos, aquele mesmo instante tão valioso não terá valido absolutamente nada, e por isso fico em silêncio, mas no meu silêncio guardo-o como tesouro, como segredo inestimável, e visito-o quando me esqueço pelo que devo agradecer.
Ontem vivi um desses momentos, no show do Vanguart, que se não tivesse mais nada teria valido esses aproximados três minutos, enquanto eles tocavam lindamente "Enquanto isso na lanchonete", eu soube que aquela melancolia-felicidade, por tantos motivos, por ter chegado ali, por estar vivendo um momento tão bonito em meio à desesperança que parecia ter se instalado em tantos lugares, pela companhia, pela sensação incrível de que tudo tivesse convergido tão perfeitamente, de uma forma tão certa para aquela alegria-saudade, seria eterna relíquia no meu acervo de lembranças.




sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ensaio sobre a liberdade

Pink Floyd tocava no som da sala.
E ela se encontrava ali, jogada no tapete, os pés brancos e muito magros apoiados no sofá, os cabelos rebeldes e negros espalhados entre as fibras do tapete, molhados pelas lágrimas que lhe rolavam insistentemente a face.
Ela tinha evitado por um bom tempo os cigarros, e agora estava coberta de cinzas, a mão trêmula levava o objeto do vício à boca, e ela tragava profundamente, até o fim, antes que a brasa daquele fosse acender a ponta do próximo.
Sentia coisas tão opostas e tão mescladas que não conseguia compreender o próprio pranto. Talvez fosse culpa daquela garrafa de whisky vagabundo jogada, vazia, displicentemente ao seu lado.
De certa forma, este retrato lhe era muito mais agradável aos olhos que aquela imagem cotidiana de si mesma. Aquilo era muito melhor que a completa anulação diária de seu ser, do que ela era.
O amor não tinha dado em nada e tinha lhe tomado tudo. "Mas se não me resta nada...".
Se levantou, pegou a bolsa, as chaves do carro, e dirigiu sem pensar realmente no que estava fazendo. Entrou no aeroporto, comprou uma passagem para "Chile me parece bom...".
Fumou mais um cigarro no estacionamento enquanto esperava seu vôo. "Fumo, e se preciso for morro disso. Não adio mais um segundo de vida."
No Chile conheceu os poemas de Neruda, que lhe encheram a alma, embora, agora soubesse, se tratassem de mentiras, muito sinceras, mas ainda assim mentiras.
A vida toda tinha lhe faltado impulsividade: "forjemos o que nos falta!", essa única frase foi a derradeira despedida do Grande Amor, num e-mail sem mais explicações, mandado às pressas.
Nunca mais voltou.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Citações

"Jogava punhados de terra nos bolsos e os comia aos grãozinhos, sem ser vista, com um confuso sentimento de felicidade e raiva, enquanto adestrava suas amigas nos pontos mais difíceis e conversava sobre outros homens que não mereciam o sacrifício de que se comesse por eles a cal das paredes. Os punhados de terra faziam menos remoto e mais certo o único homem que merecia aquela degradação, como se o chão que ele pisava com as suas finas botas de verniz em outro lugar do mundo, transmitisse a ela o peso e a temperatura do seu sangue, num sabor mineral que deixava uma cinza áspera na boca e um sedimento de paz no coração."
- Gabriel García Márquez; "Cem ano de solidão"

"...que em qualquer lugar em que estivessem se lembrassem sempre de que o passado era mentira, que a memória não tinha caminhos de regresso, que toda primavera antiga era irrecuperável e que o amor mais desatinado e tenaz não passava de uma verdade efêmera."
- Gabriel García Márquez; "Cem ano de solidão"

"Como uma outra espécie de felicidade, esse desembaraçar-se de uma também felicidade. Emerso, chafurdava em emoções: tinha desejos violentos, pequenas gulas, urgências perigosas, enternecimentos melosos, ódios virulentos, tesões insaciáveis. Ouvia canções lamurientas, bebia para despertar fantasmas distraídos, relia ou escrevia cartas apaixonadas, transbordantes de rosas e abismos."
- Caio Fernando de Abreu; conto "Transformações": livro "Morangos Mofados"

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Jazz

Aqui jaz...
Meu eu despedaçado.
Jaz aqui minha cor, meus sorrisos mais despreocupados.
Jaz aqui a certeza do que sou (fui).

Grande perda... Me perdi!
Jaz... Minha vida que já foi Blues...
Hoje morre em Jazz.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

...

"É que o outro move montanhas dentro de você: tá errado!"
Estas palavras, estas especialmente, eu gostaria de ter ouvido.
Sem mais por hoje.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Desconexo

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague!

Sabe quando um texto é tão bom que te deixa bêbada, chapada, grávida, fodida e feliz? Ao mesmo tempo um soco na cara e masturbação do espírito. Ai, se eu pudesse escrever assim! Ah, se a poesia bastasse! Ai ai ai, se o pão de cada dia fosse ideológico...
Desculpem-me se não faço sentido, é que tenho tido uns problemas para lidar com a realidade.
Ah, se eu pudesse pagar os honorários do analista! ("Pra nunca mais ter que saber quem eu sou"). E se São Paulo não fosse tão longe... Ai ai ai, se a felicidade fosse mais barata! E se meus sonhos fossem menos absurdos... Ah, se o amor bastasse!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Ao amigo que ganhei de presente

"Eles não estão falando comigo", foi o que você me disse assim que me viu, com os olhos cheios de lágrimas, e eu que estou tão acostumada a te ver sempre sorrindo, me assustei ao encontrar tais lágrimas nos teus olhos - é como se você fosse um tipo diferente de pessoa, um tipo de pessoa que tem uma crise de riso quando lhe pingam no olho aquele colírio que arde muito no oftalmologista, "é que dói DEMAIS!", foi o que você me contou sorrindo.
Eu te abracei ao te encontrar assim, com lágrimas nos olhos. Eu não sabia é que a recompensa da vida por esse abraço seria imensa, muito maior até do que eu merecia.
Se me perguntar, digo que foi ali que ficou dito entre nós que estaríamos sempre um pelo outro, um contrato tão natural que jamais precisou ser falado.
E foi assim, você abriu o seu segredo pra mim e me contou uma parte da sua vida que quase ninguém sabia, você me deu de presente sua confiança e em troca eu te dei a minha, e foi você que passou as tardes comigo quando eu senti que estava sozinha.
E foram muitas tardes, se não foram tantas é que foram infinitas. Conversávamos sobre tudo, sobre um tudo que talvez não seja aceito pelo resto do mundo, mas se fazia em sinceridade confortável entre nós.
Hoje eu entendi porque é que me sinto tão bem com você. É que eu não tenho medo de que você ria de mim, não tenho vergonha. Quando você ri, é um riso tão carinhoso, tão compreensivo, tão espontâneo, que me faz sorrir com você. Mas não me podo, não me edito, deixo fluir em palavra tudo o que me passa pela cabeça, nas nossas horas intermináveis, falando, falando, falando... E você entende.
Se eu pudesse descrever-nos em um momento, seria nesta última tarde que passamos juntos, tomando café enquanto eu desenhava com seus lápis aquareláveis e você me contava das suas composições, ou mais tarde, jantando o macarrão que você fez, enquanto discutíamos o que haveria de ser Deus exatamente. Ou então naquele olhar cúmplice uns tempos atrás, um olhar que dizia mil coisas que só nos dois compartilhávamos, você sabe bem a que me refiro.
Te guardo. Guardo sempre o conforto de estar com você, guardo o carinho imenso que lhe dedico e que você me retribui sempre, guardo a nossa diferença que não deixa de ser semelhança, essa coisa de caber e não caber no mundo, de ser parte e não ser, de ser uma outra coisa completamente adversa, e ao mesmo tempo, ser somente o que todo mundo é.










domingo, 16 de janeiro de 2011

Brain storm

Não quero ninguém, não quero pertencer nem quero que me pertençam, não quero ser, não quero ter de ser, não quero o futuro, e nesse instante, trago o presente com todas as forças.
Quero parir a minha liberdade ideológica.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O Sonho

Valores convencionados por minha sociedade
Muito pouco duráveis, são decompostos
Tornam-se pó como os meus ossos
Como meu ser,minha poesia, meu sonho

Passava frente à biblioteca municipal, num fim de tarde de uma sexta-feira, quando fui surpreendida por uma imagem inusitada: uma menina sentada nos degraus laterais do velho prédio, saboreava um sonho gordo e cheio de creme.
Tinha o rosto inchado, claramente de chorar e dormir afogada nas próprias lágrimas.
Comia o sonho e lambia lentamente os dedos daquele açúcar de confeiteiro que lhe ia grudando aos montes na pele.
Outros transeuntes passavam e olhavam-na com curiosa desaprovação - foi quando entendi: detestavam-na.
Detestavam-na pois comia o sonho, e não só comia-o maravilhada, como parecia não dar ouvidos ao que o mundo com ferocidade gritava a plenos pulmões em suas orelhas - talvez tivesse ficado surda-muda do mundo - olhava absorta o nada. E nos seus olhos passavam brincando o passado, o presente, o futuro que não existe, o sentido que falta em todas as coisas.
Ela era uma bagunça explícita, mas conservava no olhar a paz desta placidez doída.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A ponte

Eles estão sentados na ponte.
A ponte é o meio, o nada entre algum lugar e outro lugar.
Eles estão sentados na ponte.
Às vezes, durante um lapso de tempo, quem olha de longe vê duas crianças, com o olhar cheio de cor e euforia, tão vívido quanto o movimento das asas de uma borboleta que voa pela primeira vez após sair do casulo.
Num outro segundo são dois velhos, cansados do mundo e de si mesmos, compartilhando o segredo de um silêncio tão entrelaçado quanto possível.
Eles se deixam ali, por um tempo que parece a eternidade, e tudo bem.
Porque não há na vida o que deve ser, há somente o que é.
É bonito que seja como é: eles estão sentados na ponte.
Temendo sentir o infinito (às vezes não dá pra saber o quanto os ombros podem suportar) e o mundo... O mundo é um corretor imobiliário ambicioso, que teima em lotear tudo quanto existe. No mundo é preciso que as coisas tenham nome, e antes que se perceba, sentimentos são desmembrados na burocracia dos formalismos, ou se não, vão sendo transformados em concreto, em muro, onde as outras pessoas podem cuspir e escrever seus julgamentos.
Eles estão sentados na ponte porque na ponte eles podem ser o que não devem ser, eles podem ser o que eles são, e o que não são, eles podem ser essência, e a leveza de estarem juntos.
Eles estão sentados na ponte porque há outras formas de se estar junto, de se estar perto, porque às vezes o distante é infinitamente mais próximo, às vezes o não dito é infinitamente mais palpável, às vezes o não tocar é a forma mais bonita de se atingir a alma.
Na ponte não há tempo, não há regras, a ponte é um pedaço de existência à parte do mundo.