sábado, 7 de outubro de 2017

Cravo e canela

Silêncio
No aqui e agora tudo se encontra
Você consegue ouvir o plic plic do tear do tempo?
Ouça
A malha do passado, tão viva em nossas rugas
Se borda dos detalhes do nosso presente
Nunca da maneira que desejávamos
Não sabemos onde findam nossos suspiros
Cronos, olho-a daqui
É uma avó com pézinhos cansados
E cada um de nós é um fio
- Tão mais entrelaçados do que suspeitávamos
Com olhos de anciã, ela nos conduz atenta
Suas mãos enrugadas, um óculos fundo de garrafas pendurado no nariz
Neste momento
Seguro firme a linha da minha vida
E sorrateira, sem que você note, agarro um fiapo da sua
Lhe faço um crochê colorido
Preencho os espaços de contos e histórias
Remendo planos, bordo carinhos
Finalizo com o ponto de arrepio dos seus dedos caminhando sobre a minha pele
Espere!
A avó me olha por cima dos óculos com uma expressão de advertência
Mais devagar
Encosto a mão no peito, tenho palpitações
Sinto medo da imprevisibilidade do que há mais adiante
Agarro os fios com tanta força que eles me cortam

Então a velhinha solta meus dedos carinhosamente um a um
Eu largo as nossas linhas, deixo que elas flutuem
E sigam sua dança sem tanta preocupação
Confio em nós, confio na senhora que nos conduz
Mas rogo baixinho para que ela seja generosa conosco
Fecho os olhos e sigo a marcação do tempo da canção

E para que não falte a pequena insubordinação tão própria de minha natureza
Me rebelo pontualmente contra o efêmero da vida
E eternizo a silhueta da lembrança
Registro aqui:
Uma folha de canela, um hálito de cravo
Traços que rapidamente ganham formas de gente nas mais variadas poses
Um cabelo ralo como de criança pequena
Muitos copos de café
Silêncio, meu bem
A experiência do amor nos exige atenção
Um tanto de riso e um ar de gravidade
Aquela câmera que eu queria ter nos olhos para registrar
A exata nuance da luz quando se perde na escuridão da sua pupila
Tenho-a nos dedos
Guardo você em palavra.


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