quinta-feira, 7 de março de 2013

O relâmpago e as nuvens

"Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão"

Caminhou envolto em tempestade, sob um vento que ameaçava arrancar seu corpo magro, seus ossos frágeis do chão ao qual sua existência era tão arraigada.
Caminhou com seu passo firme, seus movimentos contidos, uma mão segurando o chapéu para que não voasse, a outra a pasta pequena contendo papéis (todas as burocracias que enfrentaria naquele dia e nos próximos, até o dia de sua morte, sem burocracia nenhuma).
Chegara 5 minutos antes do trem e agora estava pensando nas meninas bonitas da cidade, no seu andar sobre as nuvens, seu desfilar ileso da beleza cruel do mundo, seus olhares cheios de ilusões.
Por um momento teve vontade de destruí-las, de desenganá-las, como quem, diante de um campo florido insuportavelmente belo, desfaz em pétalas frágeis nos seus dedos rígidos as pequenas flores.
Ao mesmo tempo, quis amá-las, cuidá-las, plantá-las e regá-las diariamente para que praga nenhuma neste mundo viesse destruir-lhes os sonhos.
Mas nada pôde fazer porque, na verdade, ele era concreto metal, infértil e impermeabilizado contra toda a fragilidade ingênua. Jamais poderia tocá-las pois elas não pertenciam ao seu mundo, à sua realidade de chão batido e queimado.
Tal constatação foi-lhe, neste segundo, 3 minutos antes da chegada do trem, especialmente tóxica.
Ele não pôde suportar. Ele não soube mais como enfrentar aquele homenzinho duro, digno e infeliz no espelho. Ele não soube mais como articular seus joelhos, seus pés, para que fizessem o caminho de volta. Ele também não soube como continuar.
E assim, 2 minutos antes da chegada do trem, Manuel decidiu, assim subitamente, como ataque cardíaco fulminante, que aquele era seu fim.
Deitou-se sobre os trilhos.
Olhou para o céu. Quanta força, Meu Deus. Começava a chover. Um relâmpago infinito, estrondo que fez tremer os confins do mundo, clarão revelador, e a morte montada em seu dragão veio buscar o olhar mais infeliz de seu último filho.

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