quarta-feira, 9 de julho de 2014

No ônibus

Ás vezes eu vou andando para o ponto de ônibus xingando baixo e chutando pedrinhas, são os dias em que eu só queria chegar logo, pro dia acabar logo, pra tudo andar depressa, os dias em que viver não é nada além de uma obrigação.
Ás vezes eu vou andando para o ponto de ônibus observando que o céu está muito bonito, muito azul, sentindo o vento no cabelo recém-lavado, ouvindo uma música gostosa no fone de ouvido, e fico assim dentro de mim.
Mas ás vezes, ás vezes eu acho que a vida não tem que andar tão depressa e que tem tanta coisa fora pra olhar só pra dentro. Nesses dias andar de ônibus tem toda uma graça, e se torna um momento de vivenciar todos os sentidos e a imaginação, de se conectar aos existires de outras pessoas, se colocar em sintonia com outros olhares e outras maneiras de sentir.
No ônibus tem sempre os velhinhos que não querem se sentar, mesmo quando alguém cede o lugar. "Não, minha filha, fica aí, se a gente fica de moleza acaba ficando mais imprestável do que já tá".
Tem as criancinhas que gritam "MAMÃAAAE!" no meio de todo mundo, cantam musiquinhas de parabéns, da xuxa ou da galinha pintadinha, e as mães encabuladas ficam tentando segurar os bichinhos, que num segundo estão de pé no banco, no outro já estão no chão se esgueirando pela selva de pernas. Puxa uma saia dalí, uma calça daqui, olha aquela batata no chão, e quando a mãe vê já tá tudo na boca.
Por falar em batata, tem sempre as pessoas com as mãos engorduradas comendo batata frita e que quase fazem um beicinho quando percebem que o molhinho que vem junto acabou.
Tem sempre os meninos de boné de aba reta, ouvindo um funk sem fone de ouvido, o que arranca olhares recriminadores da senhoras distintíssimas logo ao lado, elas descem do ônibus cochichando "que coisa horrorosa...".
Tem sempre alguém de uniforme dormindo com a cabeça no vidro, e volta e meia a gente chega no ponto final e eles acordam assustados sem saber onde estão. E aí é mais uma volta antes da cama tão desejada.
Tem as mulheres grávidas com seus barrigões pontudos de nariz empinado para o mundo, tem gente que manca, tem gente que pisa forte, tem gente que quase cai quando o ônibus dá uma balançada.
Tem sempre as conversas no telefone tão peculiares, é o namorado da fulana que terminou com ela pra ficar com a outra, o ciclano que não faz o serviço direito, a patroa que não deixa chegar 5 minutos atrasada, a beltrana que (cê acredita, menina?) fala mal de todo mundo.
Tem o moço bonito de óculos diferentes, com o olhar perdido, ensimesmado, alguma tatuagem bonita no braço.
Tem a moça perfumada, com as unhas feitas e a blusa de renda, que oferece o seu lugar a todo velhinho que entra (e nenhum deles aceita).
Tem a mulher gordinha e risonha que, quando todo mundo tá esmagado na porta, dá uma risada gostosa e logo emenda "nossa senhora gente, tô suando mais que tampa de marmita".
Tem sempre as pessoas que fazem o sinal da cruz quando o ônibus passa na frente de uma igreja.
Tem o grupo de adolescentes que senta sempre junto nas cadeiras do fundo, e eles vão falando alto, alheios a todos os outros, contando do esporro do professor, das paixões, combinando como é que eles vão entrar em tal festinha, vendendo identidades falsas.
Tem os universitários com suas mochilas pesadas, muitas vezes vão sacolejando, se equilibrando pra se segurar com uma mão só, enquanto na outra vai o resumo pra prova que vai começar daí 15 minutos.
Tem gente que fica de cara feia o tempo todo, tem gente que fica só em si mesmo, tem gente que sai empurrando todo mundo quando o ônibus para, tem gente que pisa no pé, que enfia a mochila na sua cara.
Mas tem gente também que se oferece pra segurar a mochila, que sorri gratuitamente, que ri das situações desconfortáveis, que espera todo mundo descer pra subir, que puxa assunto sem precisar e vira amigo de infância, que sabe o nome dos motoristas e dos cobradores, e vai contando o maior caso até chegar no seu destino e partir pra labuta de todos os dias.
Eu gosto do ônibus porque tem gente de todo tipo, cada um com suas angústias, suas alegrias, suas histórias, seus pensamentos e sentimentos, seu cheiro, seu gosto, seu sotaque.
E aí eu desço no ponto pertinho da UFU, alegre por ter escolhido uma profissão que vai me permitir cuidar de gente, esses seres complexos e cheios de tudo. Me sinto feliz porque sei que um dia vou estar perguntando pro seu João se ele está tomando os remédios da hipertensão direitinho e medindo a cabeça dos bebezinhos pra saber se eles estão crescendo certinho. E enquanto isso vou ouvir o caso do feijão na panela, do programa do Hulk, da prova da faculdade, da tinta do cabelo, do término do namoro.
E aí eu desço, pensando no café que eu vou tomar dali a pouco pra dar uma acordada e que "um dia ainda vou escrever alguma coisa sobre isso..."











2 comentários:

  1. que texto absolutamente delicioso, sofia!
    e que saudades de te ler!
    adoro andar de ônibus, justamente por isso. fico vidrada nas pessoas, ou concentradíssima em mim mesma, e são sempre uns minutos em que dá pra gente se desconectar do mundo lá fora, mesmo que seja pra pensar nele com mais apuro.
    gostei muito, mesmo. <3
    beijos!

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  2. todo lindo esse post, me vi um monte em muitas observações, e fiquei sorrindo aqui, de canto a canto, por essa sua flexibilidade e doçura de sempre com as palavras.

    P.S: o "que coisa horrorosa..." das senhoras me arrancou risadas, cê sabe porquê.

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